A “biologia filosófica” de Hans Jonas contra o desenvolvimento predatório, utilitarismo alimentar e a ciência anti-natural na civilização tecnológica

Mateus Henrique Amorim Moura Rocha, pesquisador da Cátedra Oscar Sala, Instituto de Estudos Avançados e mestrando no Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), São Paulo, SP, Brasil.

Logo do periódico Estudos Avançados.A expansão tecnológica que vivemos neste quarto de século tem demonstrado beirar a compulsão pelo novo e pela transformação contínua. Soma-se a isso a decrescente habilidade das sociedades de articular os efeitos intrusivos das tecnologias no cotidiano, predomina um movimento de negação do “natural” em favor do progresso humano (MORIN, 2004).

Para discutir as implicações do discurso científico focado na inovação e na emancipação da vida orgânica, o autor Ricardo Abramovay, do artigo O sistema agroalimentar à luz da biologia filosófica de Hans Jonas, publicado no periódico Estudos Avançados (vol. 38, no. 112, 2024), baseado na literatura especializada, analisou a realidade do sistema agroalimentar celular e seus produtos, como carnes sintéticas e proteínas artificiais, contrastando com a filosofia ética de Hans Jonas em prol da responsabilidade científica.

O artigo avaliou dados de pesquisas da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, 2023) e Good Food Institute (GFI, 2024) para evidenciar o forte lobbying e influência de Big Techs e fundos de investimento, dentre outros, na indústria agroalimentar global.

Disso, resulta uma guinada científica focada na progressiva esterilização dos alimentos, das práticas agrícolas e a produção de proteínas sintéticas, sob o argumento de solucionar os erros do modelo produtivo da Revolução Verde, da segunda metade do século XX. Verificou-se que o problema não reside na escassez de proteína animal, mas sim na distribuição desigual de alimentos, pobreza nutricional e incentivo ao consumo de ultraprocessados.

Fotografia de cinco plantas verdes cultivadas em Beckers de laboratório

Imagem: Unsplash

Apoiado em Hans Jonas (1979, 2015), Kleeman (2020) e Wood, et al. (2023), o autor defende a urgência de uma maior responsabilidade ética na ciência, especialmente quando o foco nos alimentos de laboratório, na independência do solo, da fauna e flora, e das condições climáticas na produção agrícola expõe uma crítica influência trans-humanista no ramo agroalimentar.

Ao invés de eliminar a natureza e ignorar o real lugar dos seres humanos no mundo, evidenciar o significado dos processos naturais, a importância sociocultural do meio-ambiente e aguçar o olhar crítico quanto ao tipo de desenvolvimento que se promove com tais inovações são mudanças incontornáveis, em meio à catástrofe climática, rumo a 2050.

Esse caminho corresponde aos ensinamentos do filósofo alemão Hans Jonas, cuja proposta de “biologia filosófica” é crítica do dualismo cartesiano e implica em uma ciência mais voltada ao sentido, à intenção do que à função.

Em meio à derrubada de corredores-verde, nascentes concretadas e urbanismo predatório em São Paulo, as mensagens do princípio responsabilidade e da ética pela vida orgânica alcançaram um patamar de relevância indiscutível e ultrapassam os limites dos laboratórios. É um chamamento para repensar e sopesar com cautela as relações entre sociedades e natureza.

Para ler o artigo, acesse

ABRAMOVAY, R. O sistema agroalimentar à luz da biologia filosófica de Hans Jonas. Estudos Avançados [online]. 2024, vol. 38, no. 112 [viewed 7 February 2025]. https://doi.org/10.1590/s0103-4014.202438112.016. Available from: https://www.scielo.br/j/ea/a/YYH5XVW5d5rSvb5FftW3MwM/

Referências

FOOD AGRICULTURE ORGANIZATION. Pathways towards lower emissions – A global assessment of the greenhouse gas emissions and mitigation options from livestock agrifood systems. Food and Agriculture Organization of the United Nations [online]. 2023 [viewed 7 February 2025]. https://doi.org/10.4060/cc9029en. Available from: https://openknowledge.fao.org/items/b3f21d6d-bd6d-4e66-b8ca-63ce376560b5

CARTER, M. Governments around the world remain invested in alternative proteins. Good Food Institute. 2024 [viewed 7 February 2025]. Available from: https://gfi.org/blog/governments-around-the-world-remain-invested-in-alternative-proteins/

JONAS, H. The Hastings Center Report. Towards a Philosophy of Technology [online]. 1979, vol. 9, no. 1, pp. 34 – 43 [viewed 7 February 2025]. https://doi.org/10.2307/3561700. Available from: https://www.jstor.org/stable/3561700?origin=crossref

JONAS, H. O princípio responsabilidade – Ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. Rio de Janeiro: Editora PUC, 2015

KLEEMAN, J. Sex Robots and Vegan Meat: Adventures at the Frontier of Birth, Food, Sex and Death. London: Pegasus Books, 2020

MORIN, E. La Méthode, tome 6: Éthique. Paris: Seuil, 2004

WOOD, P. et al. Cellular agriculture”: current gaps between facts and claims regarding “cell-based meat”. Animal Frontiers [online]. 2023, vol.13, no. 2, pp. 68 – 74 [viewed 7 February 2025]. https://doi.org/10.1093/af/vfac092. Available from: https://academic.oup.com/af/article/13/2/68/7123477

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Universidade de São Paulo

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

ROCHA, M.A.H.M. A “biologia filosófica” de Hans Jonas contra o desenvolvimento predatório, utilitarismo alimentar e a ciência anti-natural na civilização tecnológica [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2025 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2025/02/07/biologia-filosofica-de-hans-jonas-contra-desenvolvimento-predatorio-utilitarismo-alimentar-e-a-ciencia-anti-natural-na-civilizacao-tecnologica/

 

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