Educação bilíngue de surdos e diferenças: diálogo ainda necessário?

Vanessa Regina de Oliveira Martins, Universidade Federal de São Carlos, FAPESP, São Carlos, SP, Brasil

edreal_logoEmbora aparentemente haja consenso em relação à educação de pessoas surdas e a importância da língua de sinais no seu ensino, pela perspectiva teórica bilíngue (Libras/Língua Portuguesa), essa não é a realidade da maioria das políticas públicas educacionais que vigoram em muitos municípios. Há sim uma constante luta da comunidade surda para fazer valer aquilo que foi conquistado legalmente por meio do Decreto 5.626/2005, garantindo a instrução pela língua brasileira de sinais (Libras); e mais, a participação efetiva de surdos na criação de políticas educacionais e linguísticas que disseminem em práticas escolares pautada pela Libras. No entanto, essa falta de diálogo entre gestores de escolas públicas e pessoas surdas acarreta em “fazeres” que destoam das propostas de uma educação bilíngue em que haja centralidade na língua de sinais.

Observa-se uma instrumentalização do ensino pela Libras. Não se pensa a língua de sinais como constitutiva do sujeito surdo e de sua aprendizagem, mas usa-a como ponte ou mecanismo de apoio para o ensino da língua portuguesa, numa folclorização do surdo, de sua língua e cultura. Mantêm, nessa perspectiva, a lógica ouvinte e a perpetuação de um currículo voltado para o exercício monolíngue no qual a língua portuguesa se coloca em relação desigual com a Libras. Isso porque a escola perpetua o jogo do ensino para a maioria e pela lógica da língua oral.

O artigo “Educação de surdos e proposta bilíngue: ativação de novos saberes sob a ótica da filosofia da diferença”, publicado na Educação & Realidade, volume 41, número 3 de 2016, propõe uma aproximação entre educação de surdos e os estudos da filosofia francesa para assim tomar a “surdez” como problema, no sentido deleuziano, ou seja, como campo de encontro/acontecimento que mobiliza o pensamento, a ação e, portanto, o deslocamento para novas práticas (práticas menores/nômades). Um ensino que se faz na problematização, na constante luta e, sobretudo, na “escuta” dos agentes que de fato terão benefícios dessa educação: as pessoas surdas.

Sabe-se que há duas vias de pensar a surdez: uma pela falta que convoca a adestração pela ortopédica corretiva do corpo surdo. A outra pela diferença linguística olhada pela positividade que a surdez opera no corpo surdo, marcando-o pela visualidade, constitutivo da própria modalidade de sua língua: perspectiva da qual o texto se filia.

Por hora cabe afirmar a necessidade do permanente diálogo, e ainda, a necessidade do encontro com uma “educação bilíngue” tomada como problema reflexivo e não como marca de antemão do que ela deve ser, pela lógica da inclusão radical. Nessa segunda vertente potencializa-se a escuta, os efeitos e desdobramentos que o encontro com a diferença surda provoca. A escola, ao se consolidar dentro de uma lógica da macropolítica (inclusão radical), se mantém no espaço da diversidade e não da diferença, produz micropolíticas cotidianas que, de algum modo, e como temos visto em muitas experiências, exclui a enunciação de muitas diferenças, dentre elas, e para este texto, a diferença surda. Como? Ao promover o espaço comum, por exemplo, oferece uma fôrma, um padrão que engessa as diferenças de tempo e de modo de aprendizagem. É por meio da resistência, então, que se propõe a sobrevida surda e a anunciação da mudança. São inúmeras as possibilidades de resistências. A criatividade humana para resistir é impressionante. É pela resistência tal como esta escrita, como os manifestos da comunidade surda, como tantas formas de lutas cotidianas que se podem promover o pensar do novo na educação bilíngue de surdos, sem ser na métrica ouvinte.

Para ler o artigo, acesse

MARTINS, V. R. O. Deaf Education and Bilingual Proposal: activation of new knowledge from the perspective of the philosophy of difference. Educ. Real. [online]. 2016, vol.41, n.3, pp.713-729. [viewed 08th September 2016]. ISSN 0100-3143. DOI: 10.1590/2175-623661117. Available from: http://ref.scielo.org/3scs67

Link externo

Educação & Realidade – EDREAL: www.scielo.br/edreal

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

MARTINS, V. R. O. Educação bilíngue de surdos e diferenças: diálogo ainda necessário? [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2016 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2016/09/21/educacao-bilingue-de-surdos-e-diferencas-dialogo-ainda-necessario/

 

One Thought on “Educação bilíngue de surdos e diferenças: diálogo ainda necessário?

  1. Parabéns pelo post e por ajudar a esclarecer pontos importantes sobre a educação bilíngue em Libras para surdos.
    Temos uma iniciativa que apoia a educação bilíngue para surdos, é o projeto Surdo para Surdo se quiser conferir:
    https://surdoparasurdo.com.br

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *

Post Navigation