Precarização do trabalho e adoecimento marcam as experiências das trabalhadoras de Enfermagem da linha de frente contra a Covid-19

Diego de Oliveira Souza, Professor da Graduação em Enfermagem, Complexo de Ciências Médicas e Enfermagem da Universidade Federal de Alagoas, campus Arapiraca, Arapiraca, Alagoas, Brasil.

Ana Paula Nogueira de Magalhães, Professora da Graduação em Enfermagem, Complexo de Ciências Médicas e Enfermagem da Universidade Federal de Alagoas, campus Arapiraca, Arapiraca, Alagoas, Brasil.

Sabrina Ângela França da Silva Cruz, Professora da Graduação em Enfermagem, Complexo de Ciências Médicas e Enfermagem da Universidade Federal de Alagoas, campus Arapiraca, Arapiraca, Alagoas, Brasil.

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O artigo intitulado O trabalho de Enfermagem a partir da experiência de enfermeiras da linha de frente contra Covid-19: na trilha da precarização, publicado no periódico Interface – Comunicação, Saúde, Educação (vol. 27, 2023), foi escrito por um grupo de pesquisadores do curso de Enfermagem da Universidade Federal de Alagoas, campus Arapiraca, a partir de uma pesquisa inserida no Programa de Pesquisa para o SUS (PPSUS/CNPq/FAPEAL), ciclo 2021-2023. O objeto de estudo deste artigo está inserido no contexto da pandemia de Covid-19, o que lhe confere um caráter ímpar do ponto de vista histórico, com repercussões sociais globais sem precedentes. 

Decerto, para campos profissionais como o da enfermagem, os desafios postos foram ainda maiores, tendo em vista a participação direta das trabalhadoras deste campo no cuidado às pessoas infectadas. A experiência de trabalhar nesse contexto trouxe consequências de naturezas diversas, em especial no que diz respeito à saúde das trabalhadoras1

No artigo ora em evidência, buscou-se somar conhecimentos a esse panorama de repercussões forjadas no enfrentamento da pandemia, ao buscar uma aproximação com elementos qualitativos, apreendidos nas histórias orais de 6 enfermeiras que trabalharam na linha de frente da pandemia, no estado de Alagoas, Brasil. Evidenciou-se que as experiências vivenciadas por essas trabalhadoras estiveram marcadas por elementos do processo de precarização do trabalho, constituído em face da reestruturação produtiva, mas agudizados pela pandemia.

A história oral temática, procedimento metodológico adotado na pesquisa que originou o artigo, permite transformar as experiências vividas em registros históricos do tempo presente. Como documentos históricos, esses registros permitem uma interpretação dialética, conectando-os a processos mais genéricos. Para essa conexão, fundamentamo-nos no materialismo histórico-dialético, na busca por analisar o conteúdo das histórias apreendidas em face das transformações do mundo do trabalho em curso, dialogando com estudos (mais gerais) do campo da crítica da economia política, assim como da literatura sobre a particularidade do trabalho em enfermagem.

Nessa perspectiva, as categorias temáticas depreendidas das histórias orais permitiram identificar a reposição de fenômenos históricos, como a desvalorização da enfermagem, a ausência de estrutura e recursos adequados para o desenvolvimento do trabalho em enfermagem, a precarização dos vínculos laborais e a relação entre sobrecarga, desgaste e adoecimento das trabalhadoras do referido campo.

Os resultados reafirmam a existência do processo de precarização do trabalho em enfermagem há tempos em curso, amplificado pela pandemia. Também se amplia o olhar sobre a precarização para além do vínculo contratual de trabalho, observando outras dimensões desse processo, na direção do que demonstraram Franco, Druck e Silva2. Isto é, além do vínculo trabalhista, é necessário considerar dimensões como as condições de trabalho, as condições de saúde (e as estratégias existentes para proteger os trabalhadores), a possibilidade de organização coletiva, sindical e política, assim como o grau de constituição de identidades coletivas ou estratégias de solidariedade entre as trabalhadoras do campo.

Além disso, os resultados do artigo reforçam a necessidade dos estudos da saúde coletiva (e dos trabalhadores) resgatarem a ideia (e o caminho de investigação) de saúde como um processo socialmente determinado, na direção de superar o ensimesmamento do paradigma biomédico. No campo da saúde do trabalhador, esse caminho se explicita pela superação do velho paradigma que apenas associa dados sobre intensidade de riscos com tempos de exposição, sendo o trabalhador um expectador das ações. Em vez disso, deve-se buscar entender o processo social que constitui os elementos do trabalho que exercem cargas e provocam desgastes nos trabalhadores3, tarefa para qual o saber dos próprios trabalhadores é indispensável.

Por fim, o artigo contribui para fortalecer caminhos científicos e políticos que reconhecem que, para além da investigação das doenças ou do sofrimento dos trabalhadores, é preciso investigar e transformar processos de trabalho. No que diz respeito à enfermagem, ficou demonstrado que é peremptório transformar as condições de trabalho, o que, para além de um piso salarial, inclui direitos trabalhistas mais consistentes, garantia da autonomia profissional, redução da jornada de trabalho e fortalecimento do Sistema Único de Saúde, lócus onde se desenvolve majoritariamente o trabalho em enfermagem no Brasil. De forma imperativa, o enfrentamento dos desafios da saúde pública depende da existência de condições adequadas para a enfermagem desenvolver suas potencialidades.

Referências

  1. LLOP-GIRONÉS, A., et al. Employment and working conditions of nurses: where and how health inequalities have increased during the Covid-19 pandemic? Hum Resour Health [online]. 2021, vol. 19, no. 1, pp. 112 [viewed 04 January 2024]. https://doi.org/10.1186/s12960-021-00651-7. Available from: https://human-resources-health.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12960-021-00651-7 
  2. FRANCO, T., DRUCK, G. and SILVA, E.S. As novas relações de trabalho, o desgaste mental do trabalhador e os transtornos mentais no trabalho precarizado. Rev Bras Saude Ocup [online]. 2010, vol. 35, no. 122, pp. 229-48 [viewed 04 January 2024]. https://doi.org/10.1590/S0303-76572010000200006. Available from: https://www.scielo.br/j/rbso/a/TsQSX3zBC8wDt99FryT9nnj/
  3. LAURELL, A.C. and NORIEGA, M. Processo de produção e saúde: trabalho e desgaste operário. São Paulo: Hucitec, 1989.

Para ler o artigo, acesse

SOUZA, D.O., et al. O trabalho de Enfermagem a partir da experiência de enfermeiras da linha de frente contra Covid-19: na trilha da precarização. Interface [online]. 2023, vol. 27, e230021 [viewed 30 November 2023]. https://doi.org/10.1590/interface.230021. Available from: https://www.scielo.br/j/icse/a/YKhsw8s3sqCcSYxdVXhCnBz/ 

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Curso de Enfermagem da Universidade Federal de Alagoas, campus Arapiraca: https://arapiraca.ufal.br/graduacao/enfermagem

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

CRUZ, S. .F.S., MAGALHÃES, A.P.N. and SOUZA, D.O. Precarização do trabalho e adoecimento marcam as experiências das trabalhadoras de Enfermagem da linha de frente contra a Covid-19 [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2024 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2024/01/04/precarizacao-do-trabalho-e-adoecimento/

 

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