Normatividade, instituições e teoria psicanalítica: a psicanálise e suas inserções

Joel Birman, Editor do periódico Ágora – Estudos em Teoria Psicanalítica, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Ágora – Estudos em Teoria Psicanalítica (v. 21, n. 1) é composto por treze artigos inéditos que propõe, de forma multifacetada, uma discussão da psicanálise a partir de diferentes recortes. Alguns trabalhos a articulam com o campo da cultura e da norma para pensar questões contemporâneas, como a feiura e o gênero; outros dedicam-se à pesquisa psicanalítica no contexto das instituições e um terceiro eixo volta-se mais para questões da teoria e da clínica psicanalítica, o que supõe perpassar pela metapsicologia e analisar noções conceituais, como a transferência e a pulsão.

Um primeiro eixo de discussão centra-se na articulação entre psicanálise, cultura e normatividade, tendo como enfoque a imagem, o corpo e o gênero. No artigo “As figuras clínicas da feiura à prova da metapsicologia”, Joel Birman e Cristina Cernat trabalham o aspecto metapsicológico que permeia a problemática da feiura, situando esta em relação às normas estéticas contemporâneas e ao mal-estar social. Para isso, discutem a ambivalência estética, que é sentida por todo sujeito, à luz da tensão que se dá entre as instâncias do eu ideal e do ideal do eu (FREUD, 1914/2009).

Em “Normatividade, gênero e teoria psicanalítica. Uma reflexão sobre a criação de palavras novas”, Beatriz Santos destaca o problema da normatividade em psicanálise, evidenciando como esta questão é pensada de forma multidisciplinar, conjuntamente com a filosofia e os estudos de gênero. Para contribuir com esse debate, a autora analisa uma outra modalidade de leitura do Caso Dora (FREUD, 1901 [1905]/2006).

A relação da psicanálise com os estudos de gênero também é abordada em “Labirintos da sexualidade: convergências e dissonâncias entre a psicanálise e a teoria queer na atualidade”, onde Alexandre Simões e Gesianni Gonçalves defendem como a psicanálise – sobretudo, as formulações de Lacan (1972-1973/1985) sobre a sexuação – pode contribuir com a teoria queer, o que implica em evidenciar alguns encontros e desencontros entre esses dois campos de saber.

Um segundo eixo de problematização diz respeito a pesquisa em psicanálise, sobretudo, no que concerne sua interface com as instituições. O estudo “A pesquisa psicanalítica e suas relações com a universidade”, de Camila Santos Lima Fonteles, Denise Maria Barreto Coutinho, Christian Hoffmann, discute a interface entre pesquisa, psicanálise e universidade. A partir da análise de teses de doutorado desenvolvidas no Brasil, conclui-se que a psicanálise não é só formulada, mas também, reinventada na universidade, o que se evidencia pela diversidade de métodos, temas, autores e articulações com outros campos do saber.

Em “Estudo longitudinal de duplas mãe-bebê: o sofrimento psíquico na maternidade”, Ana Beatriz Lopes, Volanda Santis e Silvana Rabello realizam um estudo longitudinal em uma instituição voltada para a saúde da gestante. A partir do acompanhamento das duplas mãe-bebê, se discute como se dá a constituição do laço primordial mãe-bebê e uma modalidade de sofrimento psíquico específico na maternidade.

No artigo “Fantasias infantis: um olhar psicanalítico no hospital geral”, Tiene Guimarães, Jandyra Kondera, Marcos Portela, considerando que no contexto hospitalar as questões subjetivas são eclipsadas em nome do orgânico, trabalham a importância das fantasias infantis no trabalho psicanalítico com crianças residentes em um hospital geral. No texto“A noção de psicopatologia: desdobramentos em um campo de heterogeneidades”, Fernanda Moraes e Mônica Macedo abordam a complexidade do conceito de psicopatologia. Por meio de uma análise histórica, evidencia-se as origens e os significados que foram designados às afecções mentais – o que conduzia a modalidades de tratamento específicas –, e, discute-se a ruptura epistemológica que a psicanálise efetuou em relação ao campo da psicopatologia e da terapêutica.

Mirka Mesquita e Karla Patrícia Holanda Martin abordam, em “Escola de Bonneuil: estudo sobre o tratamento “estourado” do autismo”, as especificidades do funcionamento de Bonneuil – encontradas por meio de uma pesquisa de campo nessa instituição –, pensando suas contribuições para o tratamento de autistas.

Um terceiro eixo de discussão direciona-se para aspectos teórico-conceituais da psicanálise, enquanto campo de saber e prática clínica. Em “O trabalho do sonho na poética surrealista”, Paula Aversa demonstra como as contribuições freudianas para a constituição da poética surrealista estão para além das imagens oníricas presentes nesse tipo de obra, defendendo que o próprio “trabalho do sonho” foi utilizado pelos surrealistas como procedimento de criação artística.

Na pesquisa “O conceito de sujeito nos antecedentes lacanianos: uma leitura em Nachträglichkeit”, Erikson Kaszubowski analisa retrospectivamente o pensamento de Lacan até o ponto em que a função do sujeito foi formalizada, a fim de localizar os fios discursos que o conduziram a esse conceito.

Em “A transferência e o desejo do analista no caso do Homem dos Ratos”, Juliana Bartijotto discute o funcionamento da transferência – sobretudo, no caso do Homem dos Ratos (FREUD, 1909/1996) – e o desejo do analista, tal como descrito por Lacan. Desse modo, acompanhando a transição da lógica fálica à noção de objeto a, aborda-se uma forma de análise baseada no objeto impossível de apreender.

No estudo “A imanência analítica”, de João Schiavon, a psicanálise é discutida como conquista da imanência e, para isso, a noção de pulsão é explorada, sobretudo, em sua perspectiva ética. Valendo-se, sobretudo, das formulações de Lacan sobre a ética analítica, o vetor pulsional é pensado a partir dos termos da imanência (a força, o vivo e o ativo), apontando, assim, para o real em psicanálise.

Em “O brincar e o espaço potencial no ambiente virtual”, Gregório De Sordi Gregório e Deise Matos do Amparo discutem como as novas formas de interação no mundo virtual incidem nos processos de subjetivação. A partir de entrevistas, observou-se que a interação que os adultos têm com seus personagens virtuais favorecem o estabelecimento de um espaço potencial.

Referências

FREUD, S. Notas sobre um caso de neurose obsessiva (1909). Rio de Janeiro: Imago, 1996.

FREUD, S. Fragment d’une analyse d’hystérie (Dora) (1901[1905]). Paris: Quadrige/PUF, 2006.

FREUD, S. Pour introduire le narcissisme (1914). Trad. Jean Laplanche. In: FREUD, S. La vie sexuelle. Paris: PUF, 2009.

LACAN, J. Mais, ainda (1972-1973). Rio de Janeiro: Zahar, 1985. (O seminário, 20).

Para ler os artigos, acesse

Ágora (Rio J.) vol.21 no.1 Rio de Janeiro Jan./Apr. 2018

Link externo

Ágora: Estudos em Teoria Psicanalítica – AGORA: www.scielo.br/agora

 

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BIRMAN, J. Normatividade, instituições e teoria psicanalítica: a psicanálise e suas inserções [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2018 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2018/04/13/normatividade-instituicoes-e-teoria-psicanalitica-a-psicanalise-e-suas-insercoes/

 

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