Luis Fernando Sayão, Professor, pesquisador da Comissão Nacional de Energia Nuclear, Centro de Informações Nucleares, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Luana Farias Sales, Professora, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia, Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Carla Beatriz Marques Felipe, Professora no Departamento de Biblioteconomia e Gestão de Unidades de Informação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
As descobertas científicas são como um iceberg que flutua no oceano de conhecimento exibindo somente cerca de 10% das descobertas publicadas, apoiadas sobre 90% de resultados negativos não publicados. Essa metáfora repercutida pelo Negative Results Scientific Journal nos dá a dimensão da descomunal perda de informação, que torna invisível uma grande parte da atividade científica. De fato, resultados negativos de milhares de experimentos, muito deles de grande importância para o progresso da ciência, jamais verão a luz do dia e permanecerão para sempre fechados nos cadernos de laboratórios, gavetas e computadores pessoais de seus pesquisadores onde serão, inevitavelmente, tragados pelo tempo e pela obsolescência tecnológica. Mesmo diante do pressuposto de que o método científico é absoluto e que os experimentos foram bem projetados e controlados, seus resultados, porém, podem não ser relatados jamais. Esta pauta é discutida no artigo “Invisible science: publication of negative research results”, publicado no periódico Transinformação (vol. 33).
Entretanto, no cotidiano dos laboratórios, os resultados negativos – resultados não confirmatórios e nulos, experimentos inconclusivos, dados inesperados etc. – permeiam todo o ciclo da pesquisa, e constituem uma parte importante da integralidade dos fluxos de comunicação científica. São os achados negativos que resultam na rejeição de hipóteses que obrigam os cientistas a uma reflexão crítica sobre a validade do pensamento corrente, que revelam novas visões, e que, por fim, revolucionam a ciência. O confronto e a refutação de ideias é o moto contínuo da geração do conhecimento científico. Os filósofos que desenvolveram suas reflexões em torno do progresso científico, como Karl Popper, Thomas Kuhn e Bruno Latour são enfáticos em afirmar a importância da transição dos paradigmas correntes – por mais duradouro que eles sejam – e as novas concepções. O objetivo da ciência não é produzir verdades indiscutíveis, mas discussões públicas normatizadas.
O contexto científico induzido pelo viés de resultados positivos tem um rebatimento claro nos fluxos de comunicação científica. São escassos os meios de publicação acadêmica que aceitam resultados negativos, apesar das dezenas de milhares de periódicos acadêmicos em circulação. Os periódicos acadêmicos só em alguns casos aceitam resultados negativos sob o argumento do baixo impacto desses relatos. Entretanto, os resultados negativos, longe de terem pouco valor para a ciência, são atualmente uma parte integral do progresso científico. Este fato sinaliza a necessidade da incorporação desses resultados aos esquemas acadêmicos de publicação e recompensa, redefinindo uma ecologia de achados científicos mais diversificada e menos distorcida pelo viés positivo, que apresente, de forma transparente, todas as faces de uma descoberta científica.
O desdobramento mais evidente da não publicação e compartilhamento dos resultados negativos é o desperdício de recursos, de tempo e de esforço intelectual. Isto significa não comunicar a outros pesquisadores “becos sem saída” que podem ser evitados ou contornados por estratégias alternativas. Pode-se conjecturar ainda que os meios consolidados de publicação de resultados negativos evitam problemas éticos, tanto os causados pelo chamado “viés de publicação”, que criam uma inclinação artificial para resultados mais facilmente publicáveis, assim como o sacrifício desnecessário de animais pela repetição de experimentos – uma questão contemporânea crítica para a ciência. A opacidade dos resultados negativos oculta experiências importantes, inovadoras e disruptivas, que contribuem no desafio crítico de refutar os paradigmas prevalentes e as suposições correntes. Quando se deixa de registrar os meandros de um achado científico e o seu percurso de erros e acertos há uma fragilização nos princípios de reprodutibilidade dos experimentos científicos, no poder de autocorreção da ciência e nos pressupostos da ciência aberta; cria-se também uma grande lacuna na memória acadêmica das instituições de pesquisa.
Para além dos laboratórios, os benefícios revelados a partir do avanço científico e tecnológico são recebidos pela sociedade mais rapidamente e de forma mais segura e transparente. Para os gestores, financiadores de pesquisa e demais stakeholds responsáveis pela governança científica, a publicação dos resultados negativos justifica o tempo investido na pesquisa e proporciona um dimensionamento mais preciso dos recursos necessários. Para os editores, a publicação de resultados negativos se apresenta como um novo elemento no seu modelo de negócio, se configurando como mais um importante canal de comunicação científica.
Embora seja perceptível a crescente conscientização da importância dos resultados negativos por parte da comunidade científica e de alguns editores que vêm desencadeando ações que procuram reverter o pessimismo que envolve a publicação desses resultados, o estudo constata a suposição inicial de que ainda são poucos os periódicos científicos que aceitam, editam números especiais ou são dedicados à publicação de resultados negativos. Além do mais, esse elenco de periódicos apresenta fatores de impacto – quando identificados – relativamente baixos, e os títulos se concentram em áreas específicas, como, por exemplo, Biomedicina, indicando que a publicação de resultados negativos ainda não se configura como uma prática universalmente aceita na ciência.
A seguir, acesse o vídeo com Carla Beatriz Marques Felipe em uma breve conversa sobre o tema com Luana Farias Sales e Luis Fernando Sayão sobre ciência invisível e dados de pesquisa negativos.
Referências
ALMEIDA, F. G. and CENDÓN, B. V. O viés de publicação: por que publicar resultados negativos? Perspect. ciênc. inf. [online]. 2020, vol. 25, no. 2, pp. 223-243. ISSN: 1981-5344 [viewed 12 February 2021]. https://doi.org/10.1590/1981-5344/3992. Available from: http://ref.scielo.org/qnbhwt
SAYÃO, L. F. and SALES, L. F. Dados abertos de pesquisa: ampliando o conceito de acesso livre. Revista Eletrônica de Comunicação, Informação e Inovação em Saúde [online]. 2014, vol. 8, no. 2, pp. 76-92. e-ISSN: 1981-6278 [viewed 12 February 2021]. https://doi.org/10.3395/reciis.v8i2.611. Available from: https://www.reciis.icict.fiocruz.br/index.php/reciis/article/view/611
SALES, L. F. and SAYÃO, L. F. A ciência invisível: revelando os dados da cauda longa da pesquisa. IN: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO, 19, 2018. Available from: https://brapci.inf.br/index.php/res/v/103678
SAYÃO, L. F. et al. A ciência invisível: por que os pesquisadores não publicam seus resultados negativos? Informação & Informação [online]. 2020, vol. 25, no. 4, pp. 98-116. e-ISSN: 1981-8920 [viewed 12 February 2021]. https://doi.org/10.5433/1981-8920. Available from: http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/informacao/article/view/40016
Para ler o artigo, acesse
SAYAO, L. F.; SALES, L. F. and FELIPE, C. B. M. Invisible science: publication of negative research results. Transinformação [online]. 2021, vol. 33, e200009. ISSN: 2318-088 [viewed 12 February 2021]. https://doi.org/10.1590/2318-0889202133e200009. Available from: http://ref.scielo.org/5v6hht
Link Externo
Transinformação – TINF: www.scielo.br/tinf
Como citar este post [ISO 690/2010]:
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