Estudos Avançados discute mercado de trabalho

Leila Kiyomura, Jornal da USP, São Paulo, SP, Brasil

Mauro Bellesa, IEA-USP, São Paulo, SP, Brasil

ea_logoUma reflexão sobre a crise atual de desemprego e a recessão econômica, no contexto histórico da formação do mercado de trabalho no Brasil, é a proposta do dossiê Mercado de Trabalho, publicado na edição 87 de Estudos Avançados. Por meio de artigos assinados por especialistas em economia, história e sociologia, os leitores poderão observar até que ponto a história é presença ativa na nossa sociedade atual – capitalista, moderna e excludente. Estudos Avançados é uma publicação quadrimestral do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP.

O artigo que abre o dossiê, “O mercado de trabalho: uma perspectiva de longa duração”, é assinado por Alexandre de Freitas Barbosa, professor de História Econômica e Economia Brasileira do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP. Ele busca traçar as características gerais do processo de formação do mercado de trabalho no Brasil. Três períodos são priorizados: colônia; a transição de 1850 a 1930; e a nacionalização do mercado de trabalho (1930 a 1980). Os elementos estruturais de cada período são esmiuçados. Dessa forma, procura-se apontar para os elementos de continuidade e descontinuidade que darão sentido ao mercado de trabalho durante a consolidação do capitalismo.

Barbosa vai além do esforço de periodização e da perspectiva histórico-estrutural. “Procuramos apontar, ainda que de forma esquemática, quem eram os trabalhadores representativos de cada período, mas sem colocar em xeque a complexidade do universo social”, salienta. “É nosso objetivo também apontar as (im)possibilidades dinâmicas do nosso desenvolvimento do mundo do trabalho, assim como os seus impactos em termos da estrutura social.”

Importante também a perspectiva histórica de Monica Duarte Dantas, professora do IEB e do Programa de Pós-Graduação em História Social da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, e Vivian Chieregati Costa, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em História Social da FFLCH. O artigo “O ‘pomposo nome de liberdade do cidadão’: tentativas de arregimentação e coerção da mão-de-obra livre no Império do Brasil”, reconstitui dois congressos agrícolas ocorridos em 1878, um sediado no Rio de Janeiro e outro em Recife, que reuniram fazendeiros de várias províncias do Brasil para avaliar as questões prementes da grande lavoura. “Um dos pontos discutidos era aquele da mão de obra livre. Segundo avaliação da maioria dos participantes, eram necessárias leis mais efetivas para forçar ‘vadios’ e ‘ociosos’ ao trabalho”, escrevem as pesquisadoras. “Neste artigo, analisamos as leis aprovadas no Império que mais diretamente lidavam com tal questão e por que eram consideradas pouco eficazes por parte de fazendeiros e proprietários em geral.”

Identificar e analisar, em perspectiva histórica, as dinâmicas sociais que se estabeleceram no Nordeste é o objetivo do ensaio de Roberto Véras de Oliveira, doutor em Sociologia pela USP e professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Campina Grande. No texto “Trabalho no Nordeste em perspectiva histórica”, a “motivação pela retomada, na última década, de uma agenda de grandes projetos público-privados no País e na região, busca-se sob um olhar retrospectivo contribuir para adensar o entendimento do momento atual e de suas possibilidades de desdobramentos, no que tange aos temas dos padrões de desenvolvimento e das correspondentes relações de trabalho.”

O processo de construção do direito de trabalho é a tônica do ensaio “O processo de construção e desconstrução da tela de proteção social do trabalho: tempo de regresso”, de Magda Barros Biavaschi, doutora e pós-doutora em Economia Social do Trabalho pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “Desde a defesa da tese de doutoramento, que, em parte, fundamenta este texto, houve mudanças visíveis no Brasil e no mundo, sobretudo a partir da crise mundial de 2008, gerada pela overdose de um capitalismo sem peias”, observa a pesquisadora. “Apesar dessas evidências, os direitos sociais continuam a sucumbir à força bruta e às políticas de ajuste impostas pelos organismos emprestadores de dinheiro, cujos efeitos deletérios são visíveis, inclusive nos países centrais. No Brasil, certa corrente de pensamento insiste na ‘quebra’ da alegada rigidez da CLT para que sejamos competitivos e para que a produtividade aumente, apontando para a negociação coletiva como espaço normativo privilegiado e o argumento renovado de que é nas brechas do mercado que o Estado deve regular.”

As relações entre divisão social do trabalho e estratificação social são abordadas por José Alcides Figueiredo Santos, professor associado da Universidade Federal de Juiz de Fora, em Minas Gerais, e Luiz Vicente Fonseca Ribeiro, doutorando em Ciências Sociais na mesma universidade. No artigo “Emprego, estratificação e desigualdade”, destaca-se o papel das divisões de classe ao nível da estrutura do emprego, ao qual se agregam grupos de status, fatores de segmentação e credenciais educacionais. Segundo os autores, os determinantes em questão captam alterações em dimensões socialmente organizadas da distribuição de recompensas. Constatam-se reduções nas desigualdades espaciais, setoriais e educacionais.

A trajetória do mercado brasileiro desde 2001 é o foco do artigo “Mercado de trabalho: da euforia do ciclo expansivo e de inclusão social à frustração da recessão econômica”, de Maria Cristina Cacciamali, professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP e do Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina (Prolam) da USP, e Fabio Tatei, doutorando em Desenvolvimento Econômico na Unicamp. O estudo aborda quatro períodos principais: anos de ajustamento econômico e do mercado de trabalho pós-crises do final dos anos 1990 e início do governo Lula; o período virtuoso de crescimento econômico, geração de emprego formal e redução da desigualdade de rendimentos e da pobreza; o esfriamento da trajetória pujante do período anterior por conta da crise financeira de 2008/2009; e o início de uma das mais acentuadas recessões econômicas da história do País, com impactos especialmente graves no mercado de trabalho.

O sétimo artigo que completa o tema do dossiê, instigando a reflexão e o debate, traz um tema polêmico: a desigual divisão sexual do trabalho e lev o nome de “A desigual divisão sexual do trabalho: um olhar sobre a última década”. É assinado pelos doutorandos Dyeggo Rocha Guedes, do Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e Luana Passos de Souza, do Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal Fluminense. Objetiva analisar a divisão sexual do trabalho no Brasil e entre suas regiões. A pesquisa traz estatísticas descritivas, com base na PNAD 2004 e 2014, da participação do mercado de trabalho, da participação nos afazeres domésticos e das horas tanto de afazeres domésticos como das horas trabalhadas. E revela que a divisão sexual do trabalho é desigual e desfavorável para as mulheres brasileiras, não havendo heterogeneidade entre as regiões.

A seção “Energia e Ambiente” contém cinco artigos sobre programas energéticos nacionais e “o convívio nem sempre fácil de ideais ecológicos e políticas de crescimento”, como afirma o editor do periódico, Alfredo Bosi.

Este segundo aspecto é discutido em artigo “A China na ordem ambiental internacional das mudanças climáticas”, de Helena Margarido Moreira e Wagner Costa Ribeiro sobre a postura da China nas negociações sobre mudanças climáticas. Os autores comentam que a China busca garantir o princípio de responsabilidades diferenciadas e ser classificada como país em desenvolvimento, evitando comprometer seus objetivos domésticos de desenvolvimento econômico.

No mesmo bloco há textos sobre a interação da botânica e da geografia com instâncias antropológicas e ambientais.

Os artigos da seção “Cultura e Política” tratam de temas polêmicos das ciências sociais na atualidade: o multiculturalismo visto sob o prisma da dialética do universal e do particular; a análise dos protestos de junho de 2013 no Brasil a partir da perspectiva da cultura política do consumo; o debate sobre as relações entre ciência, expertise e democracia; e o tratamento dado pela mídia à Lei de Cotas.

A seção também traz um histórico dos 25 anos de atuação da Escola de Governo, instituição dedicada a explicar o mecanismo de funcionamento das instituições políticas e a colaborar com a correção dos rumos da vida política brasileira, segundo um de seus fundadores, o jurista Fábio Konder Comparato.

A edição se completa com textos que tratam do povo indígena Arara Karo, de complexidade computacional e de livros sobre Walter Benjamin e o Haiti.

Para ler os artigos, acesse

BARBOSA, A. F. O Mercado De Trabalho: Uma Perspectiva De Longa Duração. Estud. av. [online]. 2016, vol.30, n.87, pp.7-28. [viewed 23th September 2016]. ISSN 0103-4014. DOI: 10.1590/S0103-40142016.30870002. Available from: http://ref.scielo.org/22d3f2

DANTAS, M. D. and COSTA, V. C. O “pomposo nome de liberdade do cidadão”: tentativas de arregimentação e coerção da mão-de-obra livre no Império do Brasil. Estud. av. [online]. 2016, vol.30, n.87, pp.29-48. [viewed 23th September 2016]. ISSN 0103-4014. DOI: 10.1590/S0103-40142016.30870003. Available from: http://ref.scielo.org/jp2pmv

OLIVEIRA, R. V. Trabalho no Nordeste em perspectiva histórica.Estud. av. [online]. 2016, vol.30, n.87, pp.49-73. [viewed 23th September 2016]. ISSN 0103-4014. DOI: 10.1590/S0103-40142016.30870004. Available from: http://ref.scielo.org/9b27xr

BIAVASCHI, M. B. O processo de construção e desconstrução da tela de proteção social do trabalho: tempos de regresso. Estud. av. [online]. 2016, vol.30, n.87, pp.75-87. [viewed 23th September 2016]. ISSN 0103-4014. DOI: 10.1590/S0103-40142016.30870005. Available from: http://ref.scielo.org/nyhmtt

SANTOS, J. A. F. and RIBEIRO, L. V. F. Emprego, estratificação e desigualdade. Estud. av. [online]. 2016, vol.30, n.87, pp.89-102. [viewed 23th September 2016]. ISSN 0103-4014. DOI: 10.1590/S0103-40142016.30870006. Available from: http://ref.scielo.org/p59zw5

CACCIAMALI, M. C. and TATEI, F. Mercado de trabalho: da euforia do ciclo expansivo e de inclusão social à frustração da recessão econômica. Estud. av.[online]. 2016, vol.30, n.87, pp.103-121. [viewed 23th September 2016]. ISSN 0103-4014. DOI: 10.1590/S0103-40142016.30870007. Available from: http://ref.scielo.org/zkczgp

SOUSA, L. P. and GUEDES, D. R. A desigual divisão sexual do trabalho: um olhar sobre a última década. Estud. av. [online]. 2016, vol.30, n.87, pp.123-139. [viewed 23th September 2016]. ISSN 0103-4014. DOI: 10.1590/S0103-40142016.30870008. Available from: http://ref.scielo.org/83s3tr

PERLOTTI, E. A., SANTOS, E. M. and COSTA, H. K. M. Concentração espacial da indústria de São Paulo: evidências sobre o papel da disponibilidade de gás natural. Estud. av. [online]. 2016, vol.30, n.87, pp.143-164. [viewed 23th September 2016]. ISSN 0103-4014. DOI: 10.1590/S0103-40142016.30870009. Available from: http://ref.scielo.org/zzx4w5

VIGNATTI, M. A. P., SCHEIBE, L. F. and BUSATO, M. A. Projetos hidrelétricos em Santa Catarina. Estud. av.[online]. 2016, vol.30, n.87, pp.165-176. [viewed 23th September 2016]. ISSN 0103-4014. DOI: 10.1590/S0103-40142016.30870010. Available from: http://ref.scielo.org/4dzwsv

SALATINO, A. and BUCKERIDGE, M. “Mas de que te serve saber botânica?”. Estud. av. [online]. 2016, vol.30, n.87, pp.177-196. [viewed 23th September 2016]. ISSN 0103-4014. DOI: 10.1590/S0103-40142016.30870011. Available from: http://ref.scielo.org/nvwxj9

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PIQUEIRA, J. R. C. Complexidade computacional e medida da informação: caminhos de Turing e Shannon. Estud. av. [online]. 2016, vol.30, n.87, pp.339-344. [viewed 23th September 2016]. ISSN 0103-4014. DOI: 10.1590/S0103-40142016.30870020. Available from: http://ref.scielo.org/5cw7pd

Link externo

Estudos Avançados – EA:  http://www.scielo.br/ea/

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

KIYOMURA, L. and BELLESA, M. Estudos Avançados discute mercado de trabalho [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2016 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2016/09/30/estudos-avancados-discute-mercado-de-trabalho/

 

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