Como o ‘ser’ mãe mudou o ‘ser’ usuária de Crack?

Maria Raquel Rodrigues Carvalho, Mestre em Saúde Coletiva pela Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil

Maria Salete Bessa Jorge, Pesquisadora CNPq, professora titular da Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, CE, Brasil

Túlio Batista Franco, Professor da Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

O uso abusivo de drogas, segundo Deleuze (2010), relaciona-se a duas questões estruturantes. A primeira, que toma o núcleo do desejo, interfere no “sistema-percepção”, ou melhor, no percepto, tomando por referência as percepções internas e externas, ou seja, o campo afetivo na sua relação com o socius, onde, no espaço intercessor, (no “entre” corpos), o usuário se produz junto com todos que o cercam. A segunda se refere ao desvio, sendo que a primeira imagem que aparece são as “linhas de fuga”, como possibilidade de ressignificar a realidade na qual se vive e, por decorrência disso, a si mesmo.

O campo socioafetivo constrói possibilidades, entendendo as “linhas de fuga” como um processo de produção de si e do mundo, operando no campo das percepções, dos perceptos e dos afetos. O objetivo de discutir a Rede Cegonha (RC) e Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), com foco na produção do cuidado à pessoa em uso abusivo de drogas.

O artigo “‘Minha filha devolveu minha vida’: uma cartografia da Rede Cegonha”, publicado no periódico Interface: Comunicação, Saúde e Educação (v. 22, n. 66), expõe uma pesquisa qualitativa que utilizou como ferramenta de análise a cartografia de Deleuze e Guattari (1995), em uma capital nordestina, desta forma abordando a experiência de uma usuária-guia gestante, sendo esta usuária de drogas e de todos os personagens envolvidos no seu processo de cuidado.

Os dados foram produzidos através dos encontros entre pesquisadores, trabalhadores e a usuária a partir da imersão do pesquisador no território por um ano. O estudo é oriundo de um projeto multicêntrico que envolve vários estados brasileiros, desenvolvido pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, submetido e aprovado por um Comitê̂ de Ética em Pesquisa com seres humanos, sob o protocolo 560.597.

Os profissionais de saúde tentam captar Flor ainda gestante para os cuidados na rede formal, porém Flor (usuária-guia) se esquiva por estar capturada pelas drogas. Porém, quando Flor, que pensava em entregar a filha para adoção, vê o rosto de Florzinha após o parto, ela refere que: “Minha filha me devolveu a vida”, isso mostra que o nascimento da filha, um acontecimento intensivo, com alta interferência no campo da sua subjetividade.

Há, na produção de afetos, um movimento no qual seus efeitos são incorporados, isto é, passam a fazer parte do seu corpo afetivo, e aumentam sua potência vital. Esses efeitos, chamados por Deleuze (2002) de “afecções”, são o resultado dos afetos aos quais o corpo se expõe e se modifica a partir deste encontro. Essas mudanças, que são continuas, operam um processo de subjetivação, no qual há intensa produção de si e, a partir disso, Flor vai modulando sua relação com o mundo.

O estudo potencializa a complementariedade da existência das redes formais e das redes vidas para um único fim a produção do cuidado. Também se torna visível a potência do protagonismo tanto do profissional de saúde, como do usuário na busca do seu cuidado. Ressaltando a necessidade de serviços de saúde trabalhando na perspectiva de redes rizomáticas.

Referências

DELEUZE G. and GUATTARI, F. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 1995, v. 1.

DELEUZE, G. Espinosa: filosofia prática. São Paulo: Escuta, 2002.

DELEUZE, G. Duas questões. In: CAMPOS F. and LANCETTI, A. (Orgs.). Saúde loucura. São Paulo: Hucitec, 2010, v. 3.

Para ler os artigos, acesse

CARVALHO, M. R. R., JORGE, M. S. B. and FRANCO, T. B. “Minha filha devolveu minha vida”: uma cartografia da Rede Cegonha. Interface (Botucatu) [online]. 2018, vol. 22, no. 66, pp.757-767, ISSN 1414-3283 [viewed 05 November 2018]. DOI: 10.1590/1807-57622016.0503. Available from: http://ref.scielo.org/7t3q7t

Link externo

Interface – Comunicação, Saúde e Educação – ICSE: www.scielo.br/icse

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

CARVALHO, M. R. R., JORGE, M. S. B. and FRANCO, T. B. Como o ‘ser’ mãe mudou o ‘ser’ usuária de Crack? [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2018 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2018/11/07/como-o-ser-mae-mudou-o-ser-usuaria-de-crack/

 

One Thought on “Como o ‘ser’ mãe mudou o ‘ser’ usuária de Crack?

  1. Pingback: Como o ‘ser’ mãe mudou o ‘ser’ usuária de Crack? Scielo – interface psicologia e justiça

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *

Post Navigation