Quais as convergências e divergências da BNCC com as demais políticas públicas educacionais brasileiras?

Ieda Pertuzatti, Professora efetiva na rede municipal de ensino de Nova Erechim, Nova Erechim, SC, Brasil.

Ivo Dickmann, Professor Titular no Mestrado em Educação da Unochapecó – Universidade Comunitária da Região de Chapecó, Chapecó, SC, Brasil.

O artigo “Alfabetização e letramento nas políticas públicas: convergências e divergências com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC)”, publicado no periódico Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação (v. 27, n. 105), apresenta uma análise das convergências e divergências entre os principais documentos que normatizam a educação brasileira, e que se referem à fase responsável pela alfabetização dos alunos (Ensino Fundamental I). Na pesquisa foi possível estabelecer mais pontos divergentes entre os documentos analisados, do que pontos convergentes, sendo estes restritos a poucos detalhes. As fases distintas em que cada documento foi pensado, elaborado e aprovado, sustentam os interesses políticos vigentes no período e não a continuidade e a qualidade educacional, colaborando para a construção de pontos divergentes. Os resultados encontrados confirmam a política cíclica que a educação brasileira apresenta desde o início insistente da construção de uma educação democrática que rasteja a décadas no país (MAINARDES, 2006; TRICHES; ARANDA, 2016).

A pesquisa envolveu um estudo teórico sobre a história da educação do Brasil e sobre a elaboração e construção destes documentos. Uma leitura minuciosa e atenta foi realizada dos cinco documentos que se referem diretamente à etapa do Ensino Fundamental I, condizente ao processo de alfabetização e letramento do educando, a LDB (Lei de Diretrizes e Bases, 1996); as Diretrizes Nacionais da Educação Básica (2013) e o Plano Nacional de Educação (2014). O momento da escolha foi propício para acrescentar à pesquisa outros documentos que estão sendo apresentados no decorrer do caminho para se tornar um normatizador do currículo nacional (documento base de um currículo nacional, sinalizado em diferentes momentos da história nacional, no Manifesto dos Pioneiros da Educação (AZEVEDO et al., 2010), na Constituição Federal (BRASIL, 1988). Nesse viés, analisou-se também o documento preliminar da Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017), posteriormente quando apresentada a segunda versão e a versão final. Lembramos que a BNCC se credenciou como o mais atual regramento curricular da educação brasileira.

O cruzamento dos documentos deu-se a partir de palavras selecionadas e comprometidas com os conceitos de alfabetização e letramento. Estas palavras (conceitos) foram garimpadas nos documentos. Os trechos em que foram encontradas, foram analisados e na sequência tabelados em um quadro síntese. A construção deste quadro permitiu o cruzamento dos dados individuais de cada documento.

A partir da síntese, e após a análise individual de cada documento, foi possível destacar as seguintes convergências e divergências entre eles:

Convergências:

  • BNCC (versão final) e Diretrizes Nacionais percebem a leitura e a escrita como elementos técnicos que auxiliam a descoberta do mundo por meio dos conteúdos, focados, portanto, no aprendizado da leitura e escrita da palavra como elemento constitutivo da escolarização, independentemente de sua conexão com o contexto, muito menos com a intencionalidade de transformar o mundo de vivência dos alfabetizandos;
  • O tempo necessário para a alfabetização nas Diretrizes Nacionais, no PNE e na BNCC (segunda versão) é de três anos (três primeiros anos do Ensino Fundamental);
  • BNCC segunda versão e BNCC versão final concordam com o processo de interdisciplinaridade para a alfabetização e também enfatizam a aprendizagem das normas ortográficas.

Divergências:

  • Não se estabeleceu consenso entre os documentos sobre o conceito de alfabetização, cada um deles parece estar embasado em teorias pedagógicas distintas;
  • A intencionalidade, a finalidade e a importância do termo alfabetização não estão dialogando entre os documentos, falam de coisas distintas, a partir do mesmo termo, às vezes com proximidade e outras com distanciando;
  • O termo letramento, além de não aparecer em todos os documentos, os que o citam não acordam entre si sobre o conceito e a sua intencionalidade;
  • Conceito de leitura e escrita aparecem com diferentes expectativas e entendimento, muito aquém do que se espera para uma leitura do mundo, além da palavra, da escrita da própria história;
  • BNCC (versão final) considera até o segundo ano do Ensino Fundamental como tempo suficiente para o processo de alfabetização, enquanto os outros documentos sinalizam até o terceiro ano do Ensino Fundamental, sinalização que apareceu inclusive até a segunda versão da BNCC.

Após a análise dos resultados encontrados e, considerando a concepção de alfabetização e letramento enquanto processo carregado de conceitos e intencionalidade, de sentido e significado com o real, enquanto elemento precursor no desenvolvimento da capacidade crítica do sujeito ativo e reflexivo, da dialogicidade e na competência de firmar a democratização, a socialização do saber, e a igualdade de seu acesso, percebe-se que o conceito, a importância, a finalidade e a intencionalidade da alfabetização acabam se perdendo pelos vieses de documentos normativos. Ficando claro, ainda, a presença de uma história nacional de educação brasileira conflituosa.

Ainda é possível observar o quanto já se avançou e o quanto ainda podemos melhorar a educação no Brasil, de uma forma mais democrática e de direitos para todos os cidadãos e cidadãs. Não é difícil localizar a influência das políticas públicas nesse processo, bem como as ideologias que perpassaram por ele na construção de uma base educacional comum no país.

Referências

AZEVEDO, F. de et al. Manifesto dos pioneiros da Educação Nova (1932) e dos educadores 1959. Recife: Fundação Joaquim Nabuco; Massangana, 2010. (Coleção Educadores).

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: http://.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm

BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de setembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1996. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=content&task=view&id=78&Itemid=221

BRASIL.  Secretaria de Educação Básica. Diretoria de Currículos e Educação Integral. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica. Brasília: MEC; SEB; DICEI, 2013.

BRASIL.  Plano Nacional de Educação (PNE). Plano Nacional de Educação 2014-2024. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014, que aprova o Plano Nacional de Educação (PNE) e dá outras providências. Brasília: Câmara dos Deputados, 2014. (Série legislação, n. 125).

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Versão Final. Brasília: Ministério da Educação, 2017. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/a-base

MAINARDES, J. Abordagem do ciclo de políticas: uma contribuição para a análise de políticas educacionais. Educ. Soc., 2006, vol. 27, no. 94, pp. 47-69, ISSN: 0101-7330 [viewed 8 January 2020]. DOI: 10.1590/S0101-73302006000100003. Available from: http://ref.scielo.org/5kfjwv

TRICHES, E. de F. and ARANDA, M. A. de M. A formulação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) como ação da política educacional: breve levantamento bibliográfico (2014-2016). Revista Online de Extensão e Cultura: Realização, Dourados. 2016, vol. 3, no. 5, pp. 81-98, ISSN: 2358-3401 [viewed 8 January 2020]. Available from: http://ojs.ufgd.edu.br/index.php/realizacao/article/view/6362/3320

Para ler o artigo, acesse

PERTUZATTI, I. and DICKMANN, I. Alfabetização e letramento nas políticas públicas: convergências e divergências com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Ensaio: aval.pol.públ.Educ. 2019, vol. 27, no. 105, pp. 777-795, ISSN: 0104-4036 [viewed 13 January 2020]. DOI: 10.1590/s0104-40362019002701479. Available from: http://ref.scielo.org/j2phmm

Link externo

Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação – ENSAIO: www.scielo.br/ensaio

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

PERTUZATTI, I. and DICKMANN, I. Quais as convergências e divergências da BNCC com as demais políticas públicas educacionais brasileiras? [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2020 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2020/02/04/quais-as-convergencias-e-divergencias-da-bncc-com-as-demais-politicas-publicas-educacionais-brasileiras/

 

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