Cooperação, orientação pragmática e engajamento crítico: o futuro da Linguística Aplicada

Daniel do Nascimento e Silva, coeditor, Trabalhos em Linguística Aplicada, professor, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil.

Junot Oliveira Maia, editor associado, Trabalhos em Linguística Aplicada, professor, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil.

Karina Menegaldo, assistente editorial, Trabalhos em Linguística Aplicada, doutoranda, Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil. 

O periódico Trabalhos em Linguística Aplicada apresentou oito artigos de seus números recentes em sua semana no Blog do SciELO. Os trabalhos apontam para a perspectiva pragmática, híbrida, mestiça e crítica que vem sendo projetada por pesquisadoras/es pioneiras/os do campo (CAVALCANTI, 1986; SIGNORINI; CAVALCANTI, 1998; RAJAGOPALAN, 1999; MOITA LOPES, 2006). Escritos por autoras e autores do campo aplicado e de outras áreas do conhecimento, os artigos abordam temas sociais em que a linguagem tem papel fundamental, mobilizam ampla base empírica como evidência de suas formulações e, acima de tudo, contam boas histórias de pesquisa.

Em um mundo em que transformações tecnológicas e sociais vêm acompanhadas da profusão de “fatos alternativos” e do crescente descrédito de cientistas e da ciência, o papel de intervenção pública de especialistas e de instituições mediadoras da ciência, como é o caso de periódicos científicos, tem se tornado cada vez mais premente. Na atual pandemia de Covid-19, por exemplo, o periódico The Lancet tem sido protagonista na construção de conhecimento sobre uma doença ainda largamente misteriosa; talvez nunca na história o processo de revisão por pares e a política editorial de um periódico científico tenham recebido tanta atenção – de um público em busca de informação, mas também de céticos e charlatães. Embora tornado visível no atual momento de incerteza e guerra informacional, o trabalho de mediadores científicos como editores de periódicos, sua equipe editorial e seus revisores é em geral “invisível”, mas nem por isso irrelevante. Como explica Bruno Latour, um enunciado científico só se torna verdadeiro depois de uma longa (e por vezes demorada) cadeia de autenticações: esses enunciados são submetidos ao escrutínio de editores, assistentes editoriais, revisores, os quais diferentemente verificam sua plausibilidade e adequação; além dos periódicos, essa cadeia também envolve outros agentes e instituições, como agências estatais, corpos reguladores, protocolos éticos, laboratórios, recursos tecnológicos etc. A divulgação de fatos alternativos e as fake news, lembra-nos Latour, carece dessa cadeia de autenticação – a “verdade” desses enunciados falsos percorre outras redes, muitas das quais submersas em plataformas digitais (ver Latour & Woolgar, 1997).

Dada a orientação crítica e socialmente engajada do campo aplicado dos estudos da linguagem, Trabalhos em Linguística Aplicada tem procurado expandir seu corpo editorial e tornar mais clara e dinâmica sua política editorial, de forma a garantir qualidade e agilidade no processo de autenticação dos enunciados do campo, nos termos de Latour. Assim, em 2021, os coeditores, editores associados e assistentes editoriais de Trabalhos em Linguística Aplicada incluíram um processo de pré-avaliação e vêm trabalhando em orientações claras para autores e revisores sobre parâmetros de qualidade e textualidade esperados nos artigos submetidos.

Com a adoção dessa prática, parte do corpo editorial da revista assume a tarefa de averiguar se os textos recebidos possuem contribuições relevantes para a área, antes de enviá-los aos pareceristas. A tarefa de selecionar as publicações que contribuirão para o crescimento das pesquisas em Linguística Aplicada passa a ser apresentada ao autor como uma exigência do processo editorial, dentro do qual se delimitam mais as etapas do processo de validação dos artigos. Essa exigência, somada a outras de igual relevância, constam em um documento elaborado com o propósito de evidenciar o que um texto precisa conter a fim de fazer parte de um número de Trabalhos em Linguística Aplicada. Essa medida, esperamos, será de grande relevância não só para o processo de submissão por parte de pesquisadores interessados, como também para a dinâmica de avaliação por pares, uma vez que todo o percurso de publicação se torna, assim, menos nebuloso.

Imagem: Créditos na foto.

A proposição desse documento, aliás, inspira-se em prática já consagrada de revistas internacionais renomadas de nossa área, como é o caso do Journal of Sociolinguistics. Trata-se de mais uma iniciativa que busca tornar nossos conteúdos cada vez mais relevantes em nível global, cada vez mais circulantes em escalas transnacionais. Essa insistência na locução adverbial “cada vez mais” se justifica porque a internacionalização tem sido uma preocupação constante de nosso periódico: desde seu surgimento, grandes nomes da área colaboraram com suas reflexões, como é o caso de Norman Fairclough, Marilyn Martin-Jones e Jan Blommaert, e, hoje em dia, novos fluxos de circulação do conhecimento fazem com que a revista viabilize o eco de diversas vozes relevantes da pesquisa em Linguística Aplicada, sobretudo aquelas provenientes do Sul Global.

Trabalhos em Linguística Aplicada tem buscado, portanto, manter qualidade e tradição aliadas a processos diversos de renovação. Seu foco, como mostramos, segue sendo uma orientação pragmática para a compreensão dos fenômenos linguísticos. Sua equipe e seus processos editoriais, contudo, tornam evidentes algumas mudanças às quais um periódico de tradição deve se submeter. História e inovação, assim, agem cooperativamente na construção de um futuro crítico possível para a Linguística Aplicada.

Referências

CAVALCANTI, M. C. A propósito de Linguística Aplicada. Trabalhos em Linguística Aplicada [online].1986, no.07 [viewed 15 June 2021]. Available from: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/tla/article/view/8639020

CAVALCANTI, M. and SIGNORINI, I. Linguística Aplicada e Transdisciplinaridade. Campinas: Mercado de Letras, 1998.

LATOUR, B. and WOOLGAR, S. A vida de laboratório: a produção dos fatos científicos. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1997.

MOITA LOPES, L. P. Por uma Linguística Aplicada Indisciplinar. São Paulo: Parábola Editorial, 2006.

RAJAGOPALAN, K. Linguística Aplicada e Transdisciplinaridade: questões e perspectivas. DELTA: Documentação de Estudos em Linguística Teórica e Aplicada [online]. 1999, vol. 15, no. 2, pp.355-359 [viewed 15 June 2021]. https://doi.org/10.1590/S0102-44501999000200007. Available from: https://www.scielo.br/j/delta/a/F4rZgxFTKKWMH5pVnxHgKKG/?lang=pt

Links externos

Trabalhos em Linguística Aplicada – TLA: www.scielo.br/tla

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

Cooperação, orientação pragmática e engajamento crítico: o futuro da Linguística Aplicada [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2021 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2021/06/25/cooperacao-orientacao-pragmatica-e-engajamento-critico-o-futuro-da-linguistica-aplicada/

 

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *

Post Navigation