Elisa Cardoso Azevedo, Psicóloga. UFRGS. Porto Alegre. RS.
Giana Bitencourt Frizzo, Professora de Psicologia. UFRGS. Porto Alegre. RS.
Maria Adelia Minghelli Pieta, Psicóloga, Pós Doutora. UFRGS. Porto Alegre. RS.
Vocês já observaram que os bebês da atualidade estão começando a usar mídias digitais, como TV, smartphone e tablet, cada vez mais cedo? Considerando esse cenário foi realizado um estudo e elaborado o artigo Uso da mídia digital nas interações entre mãe e filho: diferenças nos primeiros anos de vida dos bebês. A pesquisa coletou dados em 2018, através de um survey online com mães e mostrou que mais da metade dos bebês de 0 até 3 anos que participaram do estudo, faziam uso destas tecnologias. Trata-se de uma geração que já nasceu imersa no ambiente digital; a maioria dos bebês já possuía o próprio tablet ou celular. O uso desses aparelhos parece estar aumentando conforme estas crianças crescem.
O uso das mídias digitais tem começado em um estágio crucial de desenvolvimento, no qual os bebês estabelecem os hábitos e relacionamentos que servirão de base para experiências futuras. Nos primeiros anos, as crianças precisam passar por uma variedade de experiências sensoriais e a qualidade das primeiras relações entre bebês e cuidadores construirá o desenvolvimento emocional subsequente. É crucial entender a influência da mídia digital no desenvolvimento infantil e nas interações entre pais e filhos, uma vez que as experiências positivas são a base para o desenvolvimento cognitivo e emocional.
Não é à toa que organizações pediátricas em todo o mundo expressam preocupação com o uso de mídia digital na infância, fazendo recomendações para um uso restrito e mediado. De fato, estudos mostram que o uso de mídia digital está associado a prejuízo nas interações familiares e a atrasos no desenvolvimento emocional, cognitivo e de linguagem.
O uso de mídias digitais por bebês e seu possível impacto no desenvolvimento infantil é um tema relativamente pouco explorado em pesquisas no Brasil. Nesse sentido, buscamos descrever o uso de mídias digitais por mães e bebês no contexto brasileiro e examinar semelhanças e diferenças entre bebês de 0-3 anos. O estudo foi conduzido pelo Núcleo de Pesquisa e Intervenção em Famílias com Bebês e Crianças (NUFABE) do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFRGS. Participaram da pesquisa 435 mães de bebês de 0-36 meses, que responderam a um survey online sobre o uso de mídias. As análises buscaram investigar diferenças no uso de mídia (como uso rotineiro, motivos de uso, método de uso e interferência na vida familiar) entre bebês de 0-12 meses, de 13-24 meses e de 24-36 meses.
Os resultados mostraram que mais da metade dos bebês investigados utilizava computadores ou dispositivos móveis (smartphones ou tablets), estando a TV permanentemente ligada em grande parte dos lares. Diferentemente de crianças maiores, os bebês dependem dos seus pais para acessar as mídias, já que eles ainda não têm autonomia para decidir sozinhos suas atividades. O que este e outros estudos internacionais têm identificado é que a iniciativa de oferecer algum tipo de mídia para os bebês parte das famílias.
As mães relataram oferecer mídias digitais aos bebês na rotina, para entretê-los, para descansar ou realizar tarefas domésticas. Nesses momentos, a mídia era oferecida para uso da criança sozinha, sem interação com o adulto. Isto pode servir como um substituto das brincadeiras e interações interpessoais, levando a longos períodos de tela sem contato, trocas ou conversas com indivíduos que poderiam dar sentido a essa experiência. Já o uso compartilhado de mídia digital entre pais e filhos – relatado por algumas mães no estudo – pode ser considerado um uso adequado das telas, na medida em que ocorrem interações.
Os resultados mostraram a presença generalizada das mídias digitais nos lares e na rotina diária dos bebês – como estudos estrangeiros já vinham apontando, sendo maior o uso por bebês em torno dos 36 meses.
O estudo apontou que as mães usam as mídias em alguns momentos cruciais da interação, como a troca de fraldas, alimentação, sono e para acalmar a criança. Especialmente considerando que esse estudo foi feito antes da pandemia, é interessante pensar na rede de apoio das famílias e nos motivos que levam as mães a terem dificuldade em entreter seus filhos pequenos. Isso é especialmente relevante dadas as recentes descobertas sobre o impacto negativo do uso de mídia digital nas relações entre pais e filhos, quando impede ou substitui as interações.
Esta pesquisa abordou um assunto atual, sobre um fenômeno culturalmente relevante, presente no cotidiano da maioria das famílias, mas que ainda é pouco explorado na literatura brasileira. Os dados forneceram um panorama abrangente dos padrões de uso de mídia por mães e bebês. A partir disso, foram feitas recomendações, baseadas em evidências; sugere-se que o uso de mídia digital seja minimizado em favor das interações face a face entre pais e bebês.
Embora o presente estudo não aponte causalidades ou atrasos no desenvolvimento das crianças, que merecem ser melhor exploradas em novos estudos, sugere-se algumas reflexões no cuidado parental, no sentido das famílias se sentirem capazes de entreter seus filhos sem o uso de telas. É importante garantir que essas interações não sejam substituídas ou excessivamente mediadas pela mídia digital.
Referências
MALLMANN, M.Y. and FRIZZO, G.B. O uso das novas tecnologias em famílias com bebês: um mal necessário? Revista Cocar [online]. 2019, no. 07 [viewed 18 October 2022]. https://doi.org/10.31792/rc.v0i7. Available from: https://periodicos.uepa.br/index.php/cocar/article/view/2789.
ALMEIDA, M.L., et al. Intervenção educativa sobre uso de mídias digitais na primeira infância. Revista da SPAGESP [online]. 2022, vol. 23, no. 01 [viewed 18 October 2022]. https://doi.org/10.32467/issn.2175-3628v23n1a9. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-29702022000100009.
PEDROTTI, B.G., et al. Infants’ and toddlers’ digital media use and mothers’ mental health: A comparative study before and during the COVID-19 pandemic. Infant Mental Heath Journal [online]. 2021, vol. 43, no. 01 [viewed 18 October 2022]. https://doi.org/10.1002/imhj.21952. Available from: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/imhj.21952.
FRIZZO, G. B., et al. Parentalidade na era digital: Abrir numa nova janela. In: BENINCASA, M., NAVARRO, A., ROMAGNOLO, M.G.V. (Org.). Maternidade, parentalidade e conjugalidade: Novas perspectivas em psicologia perinatal. Curitiba: CRV, 2020.
Para ler o artigo, acesse:
AZEVEDO, E.C. et al. Digital Media use on Interactions Between Mother and Child: Differences in Infants’ Early Years. Paidéia (Ribeirão Preto) [online]. 2022, vol. 32, e3210 [viewed 18 October 2022]. https://doi.org/10.1590/1982-4327e3210. Available from: https://www.scielo.br/j/paideia/a/99vGXmvBcTws9kNCBcDJBrn/?lang=en#.
Como citar este post [ISO 690/2010]:
Últimos comentários