Mães órfãs: a banalização da vida na separação de mulheres e seus filhos

Mônica Garcia Pontes, Mestre em Promoção da Saúde e Prevenção da Violência, doutoranda do Programa de Pós-graduação em Saúde Pública, Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil.

Luciana de Souza Braga, Professora do Departamento de Medicina Preventiva e Social (DMPS), Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil.

Alzira de Oliveira Jorge, Professora do Departamento de Medicina Preventiva e Social (DMPS), Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil.

O artigo A dinâmica das violências na separação compulsória de mães e filhos em situação de vulnerabilidade é um exercício cartográfico que pretendeu captar regimes de verdade, práticas de dominação e estratégias de governo para controle da vida de mulheres, em sua maioria, pobres e negras. A pesquisa foi desenvolvida no âmbito do Observatório de Políticas e Cuidado em Saúde da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), entre 2017 a 2019, e constitui parte das investigações que foram conduzidas durante a produção da dissertação de Pontes inserida na linha de pesquisa Mães Órfãs.

Em Belo Horizonte foram instituídas normas entre 2014 e 2016 que facilitaram a retirada de bebês de maternidades pelas mãos do Estado e sem consentimento materno. A cartografia, enquanto ferramenta metodológica, foi selecionada para a abordagem do tema, por se tratar de um modo de rever concepções e dar visibilidade a enunciados sociais à medida que se dedica a acompanhar processos complexos.

Foto desenho de uma criança em um caderno. Na página esquerda, uma mulher chorando e apontando para a direita. Na página da direita, um bebê de olhos fechados sendo segurado por uma pessoa que não está visível.

Imagem: Mônica Pontes.

Figura 1. O desenho foi feito pela filha de Mônica Pontes enquanto ela fazia a pesquisa. Segundo a autora “representa o sentimento da criança diante da investigação que eu estava fazendo”.

Foram fontes utilizadas: narrativas de mulheres em situação de vulnerabilidade e trabalhadores da saúde; entrevistas com atores estratégicos; análise documental; e diário de campo. As narrativas foram relatos de experiência produzidos a partir de falas livres dos atores convidados a discorrer sobre suas experiências de vida em relação à separação de mãe e filho, sem grandes interferências do pesquisador. As entrevistas, por sua vez, foram conduzidas a partir de um roteiro previamente elaborado pelos pesquisadores e não guardavam a mesma liberdade das narrativas.

Uma justificativa comum para a separação de mãe e filho, tanto nas narrativas quanto entrevistas e em espaços de discussão sobre o tema Mães Órfãs, refere-se à impossibilidade de uma mulher em situação de vulnerabilidade criar seus filhos. A condição de vida nas ruas ou a existência de um lar considerado “precário”, bem como o uso de entorpecentes ou a pobreza em si, foram utilizados para fundamentar a necessidade de segregação.

Foto em alto contraste. A sombra de uma mulher negra grávida posando de perfil. Ela olha para baixo. Atrás, uma janela com muita iluminação e o ambiente todo escuro.

Imagem: Pixabay.

Além disso, a idealização de uma maternidade vinculada ao modelo dominante de família é transferida como norma para essas mães, mesmo vivendo sem garantia de direitos básicos de cidadania. Foram identificadas pistas de que a invisibilidade dos contextos econômicos, sociais e culturais que envolvem as vidas de mulheres em situação de vulnerabilidade servem a uma razão de mundo na qual as vidas de uns valem mais que as de outros. Mulheres negras e pobres são consideradas descartáveis e seus filhos entendidos como valiosos para a satisfação de desejos de quem contribui para manutenção de um modelo excludente de sociedade.

Diante desse contexto, a pesquisa mostrou que as ações violentas contra mulheres e crianças em situações de vulnerabilidade, muitas vezes, não são visíveis no cotidiano da sociedade. Pessoas são informadas de parte dessas histórias sem impressionar. Contudo, a situação das Mães Órfãs tem produzido incômodos nas instituições, além de marcar intensamente as vidas de mães e filhos. Lançamos, então, um convite para cruzar fronteiras que contribuam para escaparmos dos julgamentos meramente morais e preconceituosos. É possível produzir territórios mais acolhedores e potentes para mulheres e crianças inventarem modos de viverem juntos, abrindo a possibilidade de desconstruir atitudes e visões políticas que conduzem à banalidade da vida, e reinventar oportunidades de encontros que fazem transbordar afetividades e os sujeitos em toda sua potência de vida.

Referências

ALVES, A.O. “Quem tem direito a querer ter/ser mãe?” Dinâmica entre gestão, instâncias e ação política em Belo Horizonte (MG). Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2020.

CARAJÁ, A.F. Diário Cartográfico das mães que perdem seus filhos e filhas pelas mães do Estado: paisagens que se repetem. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2019.

FRANCO, T.B. Fobia de Estado e a Resistência ao Recolhimento Compulsório de Bebês. Saúde em Redes [online]. 2018, vol. 4, suppl. 1, pp. 85-98 [viewed 4 January 2023]. https://doi.org/10.18310/2446-4813.2018v4n1suplemp85-98. Available from: http://revista.redeunida.org.br/ojs/index.php/rede-unida/article/view/920

PONTES, M.G. Mães Órfãs: produzindo novos olhares a partir de modos de existência e resistência singulares. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2019.

SOUZA, C.M.B, et al. Mães Órfãs: o direito à maternidade e a judicialização das vidas em situação de vulnerabilidade. Saúde em Redes [online]. 2018, vol. 4, suppl 1, pp. 27-36 [viewed 4 January 2023]. https://doi.org/10.18310/2446-4813.2018v4n1suplemp27-36. Available from: http://revista.redeunida.org.br/ojs/index.php/rede-unida/article/view/915

Para ler o artigo, acesse

PONTES, M.G., BRAGA L.S. and JORGE, A.O. A dinâmica das violências na separação compulsória de mães e filhos em situação de vulnerabilidade. Interface (Botucatu) [online]. 2022, vol. 26, e210511 [viewed 4 January 2023]. https://doi.org/10.1590/interface.210511. Available from: https://www.scielo.br/j/icse/a/BvRMbKWcJxHFVcjth6JmTrM/

Links externos

Interface – Comunicação, Saúde, Educação – ICSE: https://www.scielo.br/icse/

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

PONTES, M.G., BRAGA, L.S. and JORGE, A.O. Mães órfãs: a banalização da vida na separação de mulheres e seus filhos [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2023 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2023/01/04/maes-orfas-a-banalizacao-da-vida-na-separacao-de-mulheres-e-seus-filhos/

 

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