Danilo Araujo de Oliveira, Pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Currículos e Culturas, Professor da Universidade Federal do Maranhão, UFMA, Codó, MA, Brasil.
Shirlei Sales, Universidade Federal de Minas Gerais – Professora da Universidade Federal de Minas Gerais FAE, DAE, Belo Horizonte, MG, Brasil.
O artigo A Profilaxia Pré-Exposição (PrEP): tensões e disputas quanto ao sexo em pelo no currículo bareback, publicado no periódico Pro-Posições, vol. 34 (2023) traz parte dos resultados de uma pesquisa de doutorado, cujo objetivo foi analisar o funcionamento do currículo bareback na produção de verdades, saberes e posições de sujeito. Bareback é uma prática sexual própria de homens que têm relações sexuais com outros homens (HSH), parceiros ocasionais e/ou anônimos, sem fazer uso de preservativo. Constitui-se uma prática de premeditação e erotização do sexo anal sem camisinha (Dean, 2009; Haig, 2006), conhecida também como “sexo em pelo”.
A partir dos materiais divulgados no ciberespaço, códigos e linguagem da cultura bareback, ela é entendida no texto como um currículo. Nesse sentido, currículo aqui não é entendido como um conjunto de grades e/ou disciplinas escolares ou aqueles institucionalizados como políticas de Estado. É sim compreendido como currículo cultural não-escolar, pois é um artefato cultural que ensina, produz saberes, verdade e fabrica sujeitos de determinados tipos a partir daquilo que divulga.
A pesquisa foi realizada com elementos da netnografia e análise do discurso foucaultiana. Nela, analisamos uma dimensão da prática bareback a partir do uso da Profilaxia Pré-Exposição (PrEP). A PrEP combina dois medicamentos (tenofovir + entricitabina), também conhecidos pelo nome de Truvada. Essa combinação é utilizada para bloquear alguns caminhos que o HIV usa para infectar o organismo. Para isso, esses medicamentos devem ser tomados diariamente. Desse modo, eles terão uma concentração suficiente na corrente sanguínea capaz de bloquear o vírus.
Como a PrEP não protege de outras infecções sexualmente transmissíveis, apenas HIV, deve ser combinada com outras formas de prevenção, como a camisinha. No entanto, a disponibilização desse método de prevenção tem acirrado disputas discursivas sobre o que é o sexo seguro e saudável e sobre conduções da conduta de riscos nas relações sexuais, tensionando, assim, o lugar privilegiado da camisinha entre os métodos de prevenção.
A partir do uso da PrEP, existem intervenções calculadas para atender aos desejos sexuais, articuladas com os valores impostos na contemporaneidade: o cuidado com a saúde para uma otimização do corpo. A pesquisa explora como a emergência da PrEP está associada à criação de novas regras, negociações e sentidos na condução da conduta nas relações sexuais de risco, no âmbito do currículo bareback.
Mostramos, também, como ela está relacionada à produção de sujeitos. Ao focar na posição de sujeito preper, trouxemos o conteúdo do currículo investigado para discutir demandas específicas direcionadas a esse sujeito: buscar informação e conhecimento sobre a profilaxia pré-exposição, recorrer ao tratamento de Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) sem paranoia, desespero e preconceito, além de saber os ônus e os bônus da PrEP. Nomeamos essa posição como preper, a partir da terminação em inglês “er”. Quando colocada no final de um verbo/palavra a terminação ER transforma esse vocábulo no seu respectivo praticante. Portanto, aquele que usa PrEP e tem seus modos de condução da conduta orientados a partir desse uso.
Ao prevenir a AIDS, a PrEP expande a capacidade vital do barebacker. Mas não somente isso, ela reconfigura o modo como o bareback é visto e faz a longa história da medicalização da homossexualidade embarcar em uma significativa nova fase, conforme defendido por Tim Dean (2015). O autor afirma que o medicamento parece licenciar o prazer sem limites, cristalizando-se como uma ideia mediadora sobre o que poderia ser o sexo sem preocupações entre homens no século XXI. Trata-se aqui de uma mediação da intimidade que, para seu funcionamento, aciona uma tecnologia que não é somente farmacológica, mas também uma tecnologia de poder, que incide na produção de posições de sujeito específicas, como a posição de sujeito preper, constituindo práticas prescritivas, moldadoras e organizadoras singulares de condutas.
Mesmo trazendo discussões sobre as negociações da proteção no âmbito específico do currículo bareback, as questões levantadas no artigo merecem ser ampliadas. Isso porque, conforme mostra pesquisa do Ministério da Saúde divulgada em 2015, apesar da maioria das/os brasileiras/os “saber que o preservativo é a melhor forma de prevenção” às ISTs e à AIDS, 45% da população sexualmente ativa continua não usando preservativo nas “relações sexuais casuais”.
A prevenção combinada entre PrEP e camisinha se apresenta como uma opção no enfrentamento do crescimento de novos casos de HIV no país. Essa alternativa, no entanto, envolve disputas de significados e sentidos sobre o que os indivíduos fazem com as prescrições que lhes são demandadas e sobre aquelas verdades cristalizadas sobre o que é proteção.
Considerando ainda que, no Brasil, a PrEP é uma política pública e gratuita, tais disputas e significados parecem ser mais intensificados, principalmente no que se refere à expansão do acesso à PrEP, em relação à qual o país ainda enfrenta alguns desafios. Nem todos/as têm acesso ao medicamento, o que significa dizer que as características conferidas à posição de sujeito preper talvez sejam disponíveis a um restrito grupo privilegiado, o qual pode calcular e negociar de forma mais ampliada as maneiras de realizar seus desejos e viver suas sexualidades.
Referências
DEAN, T. Unlimited intimacy: Reflection on the subculture of barebacking. The University of Chicago Press, 2009.
GREGORI, M. F. Prazeres perigosos: Erotismo, gênero e limites da sexualidade. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.
GONZALEZ, O. R. HIV Pre-Exposure Prophylaxis (PrEP), “The Truvada Whore”, and the New Gay Sexual Revolution. In R. Varghese (Org.), RAW: PrEP, Pedagogy, and Politics of Barebacking. University of Regine Press, 2019.
ROSE, N. A política da própria vida: Biomedicina, poder e subjetividade no século XXI. São Paulo: Paulus, 2013.
OLIVEIRA, D.A. and SALES, S. Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) e suas relações com educação, saúde e risco no sexo sem preservativo [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2023 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2023/07/20/profilaxia-pre-exposicao-prep-e-suas-relacoes-com-educacao-saude-e-risco-no-sexo-sem-preservativo/
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