Por André Rubião, Professor, Faculdade de Direito Milton Campos, Nova Lima, Minas Gerais, MG, Brasil
O artigo Ensino superior e solidariedade: uma virada institucional contra a sociedade do mérito, publicado na Educação em Revista (vol. 40, 2024), parte da tese do historiador Burton J. Bledstein de que o ensino superior foi a principal instituição para constituir uma fé social na meritocracia ao longo do século XX. A publicação busca enfatizar este papel transformador do ensino superior, mas propõe um caminho contrário. Diante dos efeitos perversos causados pelo excesso da “sociedade do mérito” – ilusão de justiça social, excesso de individualismo, síndromes de burnout, mortes por desespero –, não seria possível pensar uma virada no ensino superior, a partir da valorização da extensão, que equilibrasse a balança em favor de uma “cultura da solidariedade”?
Esse estudo é uma continuação da pesquisa conduzida pelo professor André Rubião, que ganhou o prêmio Jovens Cientistas Sociais de Língua Portuguesa (Universidade de Coimbra) pelo seu trabalho História da Universidade: genealogia para um “modelo participativo”. O autor levanta a hipótese de que o novo Plano Nacional de Educação (PNE), ao prever que 10% da grade curricular do ensino superior seja destinada à extensão, pode ser um ponto de partida para repensar não somente a formação dos alunos, na perspectiva de uma educação para a cidadania, mas também as formas de acesso ao ensino superior, fazendo com que o ensino médio não fique restrito à “cultura do mérito”.
De forma interdisciplinar, com base na metodologia de reconstrução de processos sociais, valendo-se de tipos ideias, o artigo explora diversos períodos da história da educação, para confrontar o modelo neoliberal de ensino superior, atrelado ao arquétipo de uma antropologia individual, com uma proposta alternativa de universidade. Nesse sentido, ao contrário do “darwinismo social” de Herbert Spencer ou da “eugenia meritocrática” de Andrew Carnegie, o autor propõe uma reflexão em torno de uma “natureza solidária”, a partir de autores como Frans de Waal e Piotr Kropotkin, investigando a maneira como o ensino superior poderia contribuir para esse propósito.
Para André Rubião, o caminho passa pelo papel transformador das atividades de extensão, seja na formação de um espírito cívico, no ganho de saberes, na consciência política ou no desenvolvimento da responsabilidade social, o que vem sendo comprovado por diversos estudos. O artigo propõe então uma genealogia dessa cultura extensionista, que foi consolidada na América Latina, a partir do Movimento de Córdoba, concluindo que a valorização dessa prática pode ser um contraponto aos excessos da “sociedade do mérito”.
Para ler o artigo, acesse
RUBIÃO, A. Ensino superior e solidariedade: uma virada institucional contra a sociedade do mérito. Educ. rev. [online]. 2024, vol. 40, e39180 [viewed 8 January 2025]. https://doi.org/10.1590/0102-469839180. Available from: https://www.scielo.br/j/edur/a/Vjpfsw9WKNgKCXnvmCm8cwp
Referências
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