Nathália Helena Azevedo, Programa Interunidades em Ensino de Ciências, Instituto de Biociências, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
Paulo Gabriel Franco dos Santos, Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências, Faculdade UnB Planaltina (FUP), Universidade de Brasília (UnB), Brasília, DF, Brasil
A mais recente publicação do periódico Ensaio: Pesquisa em Educação em Ciências (vol. 27, 2025) dedica seu editorial a uma análise aprofundada e crítica sobre o uso da Inteligência Artificial Generativa (IAGen) na produção acadêmica, sobretudo no campo da educação científica. Intitulado Primazia da dimensão utilitária e recuo crítico: inteligência artificial generativa e os valores em disputa na ciência, o texto é fruto de um processo formativo conduzido pelo corpo editorial da revista e propõe uma abordagem que vai além do uso técnico da IAGen, chamando a atenção para seus impactos éticos, políticos, epistemológicos e ambientais.
Diante da crescente incorporação de modelos generativos, como large language models, nas rotinas de pesquisa e publicação científica, o editorial levanta questionamentos sobre a naturalização do uso dessas tecnologias. O texto alerta para riscos relacionados à autoria, à qualidade e à integridade da produção científica, além de apontar tensões mais amplas, como a concentração de poder tecnológico, os impactos socioambientais e o esvaziamento do pensamento crítico.
A discussão sustenta que a simples normatização do uso da IAGen (por meio de listas do que é ou não permitido) revela-se limitada frente à complexidade do tema. Ao invés disso, propõe a análise do problema com base em ao menos cinco dimensões de risco: ilicitude, desconformidade, ilegitimidade, implausibilidade e acriticidade.

Imagem: Diego Rivera via Wikipedia
Essas categorias, a serem discutidas em contextos de produção acadêmica, buscam evidenciar como a adoção da tecnologia pode ferir princípios fundamentais da produção científica, especialmente em áreas como a educação em ciências, que se estrutura em torno de pressupostos históricos, políticos e pedagógicos específicos, os quais não se sustentam sem criticidade.
O texto também reflete sobre os desafios enfrentados por pessoas que trabalham em editorias científicas na formulação de políticas editoriais que contemplem a emergência das IAGen. Em lugar de protocolos prescritivos, a proposta defendida é a de fomentar processos formativos e debates coletivos, nos quais pessoas pesquisadoras, avaliadoras e leitoras possam discutir, refletir e compreender os impactos dessas tecnologias de forma contextualizada e crítica.
O texto destaca ainda que, em muitos casos, o uso indiscriminado de IAGen tem resultado em plágio, apagamento de autoria e produção de conteúdos inconsistentes. Além disso, observa-se um redirecionamento das agendas de pesquisa em função do entusiasmo por novas ferramentas, com possível prejuízo a outras tecnologias e abordagens já consolidadas na área.
Ao final, o editorial convida a comunidade científica a se engajar em reflexões contínuas sobre o papel da IAGen nos processos de produção do conhecimento, enfatizando que a crítica não deve ser confundida com rejeição automática, mas sim com a necessidade de compreender e tensionar as condições materiais, políticas e simbólicas que estruturam essas tecnologias.
A Ensaio reitera, com esse posicionamento, seu compromisso com a integridade, a autoria responsável e a construção coletiva de saberes. O texto se configura, assim, como uma provocação importante para o campo da educação em ciências, mas também como contribuição para o aprofundamento necessário do debate sobre as implicações da IAGen na produção científica.
Para ler o editorial, acesse
AZEVEDO, N.H. and SANTOS, P.G.F. Primazia da dimensão utilitária e recuo crítico: inteligência artificial generativa e os valores em disputa na ciência. Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências [online]. 2025, vol. 27, e59484 [viewed 29 July 2025]. https://doi.org/10.1590/1983-2117-59484. Available from: https://www.scielo.br/j/epec/a/MbydTFpDGrNNrcLNbbZdyKM/
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