Ana Lara Casagrande, Professora adjunta da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Cuiabá, MT, Brasil.
Alessandra Maieski, Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Cuiabá, MT, Brasil.
Katia Morosov Alonso, Professora titular da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Cuiabá, MT, Brasil.
O artigo As contingências e condições objetivas da “eadização” do Ensino Superior presencial, publicado no periódico Educação & Sociedade (vol. 43), descreve a “eadização” como um fenômeno recente, que trata da incorporação da lógica de funcionamento (parcialmente) da Educação a Distância (EaD) nos cursos de graduação presenciais ofertados por Instituições de Ensino Superior (IES).
Destaca-se que a legislação vigente permite que a carga horária na modalidade de EaD, na organização pedagógica e curricular dos cursos de graduação presenciais, seja até o limite de 40% da carga horária total do curso, devendo constar no Projeto Pedagógico do Curso (PPC) e na matriz curricular o percentual de carga horária a distância, bem como as metodologias a serem utilizadas, desde a ocasião dos pedidos de autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento de curso.
Pode-se pressupor, a princípio, que isso se deva à valorização da modalidade, sobretudo no contexto pós-pandemia COVID-19 (causada pelo coronavírus SARS-CoV-2), cuja reconfiguração compulsória no processo de ensino-aprendizagem descortinou possibilidades de práticas didático-pedagógicas mediadas pelas Tecnologias Digitais (lembrando a distinção entre EaD e ensino remoto, o último apropriado para designação das estratégias no período pandêmico).
Não parece uma suposição apropriada por duas razões: o fato de a propositura da EaD em cursos de graduação presenciais ser anterior; e, devido ao contexto de sucateamento da educação pública (vide cortes no orçamento para as universidades públicas, que conduzem à redução contínua das verbas destinadas para custeio) e crescimento do setor privado nas matrículas no escopo do Ensino Superior, como demonstrado pelo Censo do Ensino Superior, demonstrarem que a EaD é considerada uma alternativa menos onerosa, mais barata, com alto potencial de reprodutibilidade dos materiais e atendimento massivo.
Figura 1. O silêncio, Odilon Redon (1911), óleo sobre cartão, 54,6 x 54 cm. The Museum of Modern Art (MoMA), New York – Estados Unidos.
Um ponto-chave nesse sentido, está na percepção de que os componentes curriculares de menor prestígio (não relevância), como Libras, têm sido disponibilizados conforme regras de simbiose EaD/presencial em IES públicas. Há justificativas, como carência de docentes e parca infraestrutura, que, antes, deveriam servir para denunciar a necessidade de maiores investimentos na Educação do que alegar que determinados componentes curriculares participem da previsão de introdução de carga horária a distância em cursos cuja identidade é presencial.
Entre ser o elixir para problemas relacionados ao financiamento da Educação e a acusação de que não são desenvolvidos cursos de EaD de qualidade (delação injusta, porque mentirosa, vide cursos bem avaliados pelo Ministério da Educação e de reconhecida importância para a democratização do acesso à universidade pública, com impacto positivo no cenário educacional de muitos municípios brasileiros), percebe-se que a EaD é tomada como estratégia no que se chama aqui de processo de “eadização”. Trata-se de um processo a ser problematizado no âmbito da Ensino Superior na medida em que envolve alguns critérios obscuros, por exemplo, a autorização não se aplica aos cursos de Medicina (BRASIL, 2019, art.1°, parágrafo único). Na Portaria revogada se falava em exceção dos cursos de graduação presenciais da área da saúde e das engenharias (BRASIL, 2018, art. 6°).
Diante do exposto, pode-se dizer que a eadização é uma adaptação à Cultura Digital própria do tempo presente? Defendemos que os ajustes nos cursos presenciais considerem sim a Cultura Digital e as implicações para o processo de ensino-aprendizagem na contemporaneidade, mas que se dê de modo comprometido com as metas traçadas no Plano Nacional de Educação, Lei n°13.005, de 25 de junho de 2014, como a meta 20 que prevê a ampliação do investimento público em educação pública de forma a atingir, no mínimo, o patamar de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) do país ao final do decênio, ano de 2024 (BRASIL, 2014) e com os Planos de Desenvolvimento Institucional (PDI). Assim como, acredita-se que não possam ser desprezadas as especificidades da EaD, sua história e imprescindibilidade para o cenário educacional brasileiro.
Ela não é ferramenta, suas características requerem a observação da questão da tutoria e da presença dos polos de apoio presencial. Assim, é fundamental uma conta que evidencie o impacto dos 40% de carga horária na modalidade EaD em cursos de graduação presenciais para a concepção de EaD, bem como o peso/teor no foro dos referidos cursos, de maneira que se possa deliberar sobre os não-ditos da Portaria n° 2.117/2019, como bem lembrará Leminski, (2011), poeticamente em seu “romance-ideia”, ao recomendar que se repare no que não é dito. Para esta esfinge no caminho da Educação, e que identificamos ao constatar a “eadização”, parece que há uma primeira pista.
A seguir, assista ao vídeo de Ana Lara Casagrande, trazendo outras perspectivas sobre o processo de eadização no ensino superior brasileiro.
Referências
BRASIL. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação – PNE e dá outras providências. Brasília, 2014.
BRASIL, 2016. Portaria °1134, de 10 de dezembro de 2016. Revoga a Portaria MEC nº 4.059, de 10 de dezembro de 2004, e estabelece nova redação para o tema. Brasília, 2016.
BRASIL, 2018. Portaria n°1.428, de 28 de dezembro de 2018. Dispõe sobre a oferta, por Instituições de Educação Superior – IES, de disciplinas na modalidade a distância em cursos de graduação presencial. Brasília, 2018.
BRASIL. Portaria nº 2.117, de 06 de dezembro de 2019. Dispõe sobre a oferta de carga horária EaD nos cursos presenciais. Brasília, 2019.
LEMINSKI, P. Catatau: um romance-ideia. São Paulo: Iluminuras, 2011.
Para ler o artigo, acesse
CASAGRANDE, A.L., MAIESKI, A. and ALONSO, K.M. As contingências e condições objetivas da “eadização” do Ensino Superior presencial. Educ. Soc. [online]. 2022, vol. 43, e261767 [viewed 14 December 2022]. https://doi.org/10.1590/ES.261767. Available from: https://www.scielo.br/j/es/a/Cz8ghbJjvmPsKwh6zcs8VPj/
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