A negação do direito à educação de jovens e adultos no âmbito do Fundeb

Rosana Cruz, professora, Universidade Federal do Piauí (UFPI), Teresina, PI, Brasil. 

Luís Carlos Sales, professor, Universidade Federal do Piauí (UFPI), Teresina, PI, Brasil. 

Lucine Almeida, mestranda em educação, Universidade Federal do Piauí (UFPI), Teresina, PI, Brasil. 

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O artigo O financiamento da EJA no Fundeb: a política que reiterou a negação do direito parte do seguinte questionamento: o que justifica a existência de valores por aluno menores do que o mínimo definido nacionalmente no Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) para a Educação de Jovens e Adultos (EJA) em Estado que recebe a complementação da União?

A investigação de natureza quanti-qualitativa e de cunho documental foi realizada por pesquisadores do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Extensão em Políticas e Gestão da Educação (Nuppege) da Universidade Federal do Piauí em 2021. O estudo partiu de uma demanda da Secretaria de Estado da Educação, a qual observou que os valores por aluno ano da EJA na rede estadual eram menores do que o mínimo definido nacionalmente para a modalidade.

A pesquisa revelou que o rebaixamento dos valores de EJA no Fundeb ocorreu somente no estado do Piauí devido à trava que impedia a modalidade de se apropriar de mais de 15% do total do Fundo. O problema ocorreu nos últimos anos do Fundeb instituído pela Emenda Constitucional nº 53, penalizando redes que investiram significativamente no aumento das matrículas de EJA.

Os autores deste artigo são vinculados ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Piauí e ao Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras em Educação Básica, pesquisadores das políticas de gestão e financiamento da educação.

A investigação foi realizada com base na legislação que instituiu e normatizou o Fundeb e em diálogo com referências centrais (HADDAD, DI PIERRO, 2000; PINTO, 2007; MACHADO, 2009; CARVALHO, 2014; CASTRO, 2020). A partir de tabelas publicadas anualmente nas Portarias Interministeriais que estabelecem os parâmetros operacionais para o Fundeb, o estudo constatou que apenas o estado do Piauí teve o valor anual mínimo nacional por aluno do Fundeb abaixo do definido nacionalmente entre 2017 e 2020.

Composição elaborada pelos autores. Nela, está escrito “Educação Jovens Adultos” ao lado de uma silhueta do estado do Piauí, de um símbolo de cifrão e de um livro, de onde brota uma planta.

Imagem: Elaboração dos autores.

Em 2007, a instituição do Fundeb  assegurou a inclusão da EJA, mas com a restrição de que não poderia se apropriar de mais de 15% do total do Fundo, sendo esta uma reiteração da discriminação da modalidade. Além disso, a determinação do menor fator de ponderação entre os 19 existentes no Fundeb recebeu críticas sistemáticas da comunidade científica e dos movimentos sociais que defendem a educação como um direito humano inalienável.

Os sistemas de ensino, desestimulados pela trava dos 15% e pelo baixo fator de ponderação, tenderam a declinar a oferta da modalidade, apesar do alto índice de analfabetismo no país e da meta de sua erradicação no Plano Nacional de Educação (PNE) exigir a ampliação de políticas de acesso aos jovens e adultos. Contrariando a tendência geral, a rede estadual de educação do Piauí, de 2016 para 2018, aumentou expressivamente as matrículas de EJA, seguido de forte queda em 2019, provavelmente em função da percepção dos efeitos econômicos nocivos da Trava da EJA contida na Lei nº 11.494/007.

Tais efeitos foram constatados no Piauí, único caso entre os 27 fundos estaduais do Fundeb, revelando a lógica coercitiva da trava dos 15% que prejudicou as redes que mais investiram na ampliação do atendimento da EJA durante os anos 2017 a 2020, principalmente a Estadual, com a diminuição do valor anual por aluno da modalidade nas tabelas das Portarias interministeriais, em percentual inferior ao mínimo definido nacionalmente, embora seja um Estado que receba a complementação federal.

O estudo permitiu concluir que a Trava de EJA colocava em oposição as etapas e modalidades presentes no Fundeb e desconsiderava as realidades locais, denotando perversidade na política de financiamento e a negação de princípios constitucionais que asseguram que a educação é um direito de todos e dever do Estado, devendo ser ofertada com base nos princípios de igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, inclusive para os que foram excluídos do sistema.

O Fundeb permanente trouxe expectativas de avanço no direito à educação, mas não houve avanços quanto aos critérios de definição das ponderações, que continuam não expressando as diferenças nos custos efetivos para a realização da oferta das diversas etapas e modalidades da educação básica, avanço que requereria adotar o indicador Custo Aluno Qualidade (CAQ).

Desse modo, manteve-se, no Fundeb permanente, as ponderações de 0,80 para EJA avaliação no processo e de 1,20 para EJA integrada à educação profissional. No entanto, foi retirada a Trava da EJA, um grande avanço para estimular a oferta no país, fazendo surgir novas esperanças para a população jovem e adulta de que seu direito humano à educação seja assegurado.

Referências

CARVALHO, M.P. O financiamento da EJA no Brasil: repercussões iniciais do Fundeb. Rev. Bras. Pol. Adm. Educ. [online]. 2015, vol. 30, no. 3, pp. 635-655 [viewed 29 August 2023]. DOI: https://doi.org/10.21573/vol30n32014.57618. Available from: https://seer.ufrgs.br/index.php/rbpae/article/view/57618

CASTRO, F.S. A Educação de Jovens e Adultos em Teresina (PI): contradições entre a proclamação do direito e a efetivação da oferta. Teresina: Universidade Federal do Piauí, 2020.

HADDAD, S. and DI PIERRO, M.C. Escolarização de jovens e adultos. Rev. Bras. Educ. [online]. 2000, no. 14, pp. 108-130 [viewed 29 August 2023]. DOI: https://doi.org/10.1590/S1413-24782000000200007. Available from: https://www.scielo.br/j/rbedu/a/YK8DJk85m4BrKJqzHTGm8zD/

MACHADO, M.C. A educação de jovens e adultos no Brasil pós-Lei nº 9.394/96: a possibilidade de constituir-se como política pública. Em Aberto [online]. 2009, vol. 22, no. 82, pp. 17-39 [viewed 29 August 2023]. Available from: http://rbep.inep.gov.br/ojs3/index.php/emaberto/article/view/2446

PINTO, J.M.R. A política recente de fundos para o financiamento da educação e seus efeitos no pacto federativo. Educ. Soc. [online]. 2007, vol. 28, no. 100, pp. 877-897 [viewed 29 August 2023]. DOI: https://doi.org/10.1590/S0101-73302007000300012. Available from: https://www.scielo.br/j/es/a/BHh7B748fzMXtnZ86SxL55B/

Para ler o artigo, acesse

CRUZ, R.E.D., SALES, L.C. and ALMEIDA, L.R.V.B. O financiamento da EJA no Fundeb: a política que reiterou a negação do direito.  Educação Em Revista [online]. 2023, vol. 39, e32398 [viewed 29 August 2023]. DOI: https://doi.org/10.1590/0102-469832398. Available from: https://www.scielo.br/j/edur/a/xvK3cHcjfMtwCcHhKgWQxRg/  

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CRUZ, R.E.D., SALES, L.C. and ALMEIDA, L.R.V.B. A negação do direito à educação de jovens e adultos no âmbito do Fundeb [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2023 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2023/08/29/a-negacao-do-direito-a-educacao-de-jovens-e-adultos-no-ambito-do-fundeb/

 

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