Entrevista com Diana Gonçalves Vidal

Diana Gonçalves Vidal

Diana Gonçalves Vidal

Por Wilson Gambeta

O movimento pela Escola Nova completou oito décadas em 2012 e foi motivo de Mesa Redonda, organizada pela UFRJ. Para saber sobre a importância de se comemorar a data, fomos ouvir uma das participantes daquele encontro. Ela é especialista da área e aproveitou para nos contar sobre as suas pesquisas mais recentes.

A professora Diana Gonçalves Vidal é titular em História da Educação na Faculdade de Educação, da Universidade de São Paulo (FEUSP) e participa do Conselho Científico Internacional do CEINCE (Centro Internacional de la Cultura Escolar), com sede na Espanha. Possui graduação em História pela Universidade do Vale do Paraíba (1985), mestrado em História pela Universidade Estadual de Campinas (1990), doutorado (1995) e livre docência (2005) em Educação pela Universidade de São Paulo. Fez pós-doutorado em Educação no INRP-França (2001) e na Universidade de Santiago de Compostela (2007). Foi vice-coordenadora do grupo de trabalho em História da Educação da ANPEd, coordenadora do Centro de Memória da Educação da FEUSP e presidente da Sociedade Brasileira de História da Educação. Atualmente, coordena o Comitê de Assessoramento da Educação no CNPq e o Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em História da Educação (NIEPHE).

Ela concedeu entrevista à equipe editorial da revista Educação e Pesquisa <http://www.scielo.br/ep>, ao publicar o artigo “80 anos do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova: questões para debate”, no terceiro fascículo de 2013.

1. O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova foi feito em 1932. No entanto, continua sendo referido nos discursos da área de educação e nas políticas educacionais. Em que consiste esta atualidade?

Esta foi exatamente a pergunta que eu me fiz quando fui convidada a participar da mesa-redonda “A atualidade do manifesto de 1932 e o debate sobre a educação pública brasileira”, composta por Carlos Roberto Jamil Cury e moderada por Libânia Xavier na UFRJ, no ano passado. Como retomar um tema já tão debatido e trazer algo de novo? Ao mesmo tempo, quais das ideias defendidas pelos autoproclamados pioneiros da educação nova permaneceram no imaginário educacional e quais foram sendo descartadas com o passar das décadas? Este é o tema central que abordo no artigo e que – fazendo suspense – convido à leitura.

2. Como o Manifesto se insere em seus interesses de pesquisa?

Desde o doutorado, tenho me debruçado pelos contornos que a Escola Nova assumiu no Brasil. Diferentemente de outros países do mundo ocidental, em que percebemos manifestações do movimento da Escola Nova, sempre como uma experiência pontual e localizada em um instituto de pesquisa ou instituição escolar, no Brasil, ela tomou o caráter de reformas educacionais promovidas pela administração pública municipal ou estadual. Somente pela comparação internacional, em projetos bilaterais realizados com a Argentina, Portugal e França, pude compreender esta especificidade da Escola Nova brasileira. O Manifesto aparece nesta agenda de investigação como um dos documentos recorrentemente citados, seja por educadores brasileiros, seja pelos colegas estrangeiros, e compreendido, muitas vezes, como a própria expressão do escolanovismo no Brasil. Desmontar esta representação que, simultaneamente, reduz a multiplicidade da Escola Nova brasileira e consagra uma interpretação única ao movimento não deixa de ser um investimento bastante sedutor.

3. O Manifesto é, portanto, seu principal objeto de investigação?

Na verdade não. Tenho me interrogado, principalmente, sobre as práticas escolares constituídas no eixo Rio de Janeiro- São Paulo, entre 1870 e 1930. No doutorado, detive-me no estudo do cotidiano de uma escola modelo situada na cidade do Rio de Janeiro, o Instituto de Educação, pelo caráter de exemplaridade que ele protagonizou na difusão de preceitos pedagógicos associados à Escola Nova. Particularmente, analisei as práticas de leitura e escrita disseminadas na escola, tomando a biblioteca escolar como objeto. Nos anos que se seguiram, fui paulatinamente me envolvendo com as manifestações escolanovistas em São Paulo, especialmente com temas como cinema e rádio educativo. Comecei a me interrogar sobre o que era o novo nas práticas escolares dos anos 1920 e 1930 em relação às do final do século XIX. Em especial, tematizei as proximidades e diferenças entre o ensino intuitivo e as propostas pedagógicas veiculadas pelos renovadores da educação. Esse percurso de pesquisa me levou a meus interesses atuais, associados à cultura escolar e aos objetos que habitam o espaço da escola e que compõe o arsenal imprescindível às práticas escolares.

4. Como este diálogo estabelecido com o passado da escola brasileira nos ajuda a pensar os dias de hoje?

Ao investigar a cultura material escolar, acabei desenhando duas categorias que têm me auxiliado muito na compreensão do passado da escola, mas também de seu presente. São elas: escola como mercado e indústria escolar. O estabelecimento da obrigatoriedade escolar, na segunda metade do século XIX, e a disseminação do método simultâneo (um professor dando aula a um grupo de alunos que aprende em um mesmo ritmo e frequenta a mesma série escolar) transformaram a escola pública em um grande mercado consumidor de objetos. Bancos, carteiras, mesas, livros, quadros parietais, canetas, lápis e ardósias são apenas exemplos dos muitos materiais que a escola incorporou na sua cotidianidade, como requisito do ensino e da aprendizagem eficazes. Tendo um comprador de lastro como o Estado, a indústria se viu mobilizada a produzir objetos para o universo escolar. É claro que as orientações para a produção emanavam do Estado, mas a indústria escolar não se restringiu a fornecer o que lhe era solicitado, criando soluções novas e forçando uma demanda inesperada. Dessa forma, passou ela também a interferir na construção das práticas escolares. Hoje, convivemos com estas mesmas tensões. Se podemos dizer que a indústria procura responder às necessidades da expansão escolar, é inegável que incorporamos, na escola, muitos objetos que não respondem propriamente a preceitos pedagógicos, mas a uma demanda criada pelo crescimento industrial. Assim, da mesma maneira que, desde o século XIX, a organização do tempo escolar em séries assemelhou-se à estruturação do trabalho capitalista; a escola constituiu-se em um poderoso centro consumidor a atrair a atenção da produção industrial. Estas ponderações têm me ajudado a interpelar a escola e suas práticas na contemporaneidade para além da relação comumente estabelecida entre métodos pedagógicos e fazeres escolares.

 

Para ler esse artigo, acesse:

VIDAL, Diana Gonçalves. 80 anos do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova: questões para debate. Educ. Pesqui. [online]. 2013, vol.39, n.3 [citado  2013-10-14], pp. 577-588 . Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-97022013000300002&lng=pt&nrm=iso. Epub 10-Maio-2013 . ISSN 1517-9702.  http://dx.doi.org/10.1590/S1517-97022013005000007 .

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

Entrevista com Diana Gonçalves Vidal [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2013 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2013/10/18/entrevista-com-diana-goncalves-vidal/

 

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *

Post Navigation