Claudio Mubarac lança seu olhar para os primórdios da gravura de estampa e encontra ressonâncias atuais no início da “civilização de imagens”

Liliane Benetti, editora do periódico ARS e Professora adjunta da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Claudio Mubarac é estudioso diligente do tema que aborda em seu ensaio “Anotações sobre o nascimento da gravura de estampa (mestres anônimos)”, publicado na ARS 28. É, além disso, um artista com sólido conhecimento de seu metier, entendendo metier, em suas próprias palavras, não apenas como as instruções artesanais legadas pela tradição, mas sua problematização, pois o ateliê convoca a um “trabalho indissolúvel, de natureza prático-teórica, onde a artesanalidade e sua constante reelaboração estão numa dialética permanentemente pontuada pela produção de conceitos, que reiniciam outros ciclos do saber” (MUBARAC, 2006).  É da perspectiva do artista e pesquisador, portanto, que Mubarac elabora o ensaio sobre o surgimento da gravura e a disseminação das estampas, trazendo argumentos históricos para o debate contemporâneo sobre as estratégias de circulação das imagens.

Nascida no Oriente alguns séculos antes de sua proliferação na Europa, a gravura e, em especial, a xilogravura foi inicialmente empregada na produção de estampas têxteis e de imagens religiosas. O autor ressalta que, se considerada uma “história da técnica estritamente ocidental”, o aparato tecnológico elementar para a indústria gráfica foi desenvolvido na Idade Média, período particularmente engenhoso voltado às soluções de problemas da vida prática: “não eram literatos, mas resolviam bem problemas sociais, agrícolas e mecânicos” (MUBARAC, 2016, p. 248). As prensas de gravura em metal e de tipografia derivaram das prensas de cilindro para moedura de grãos e das prensas de platinas para extração do azeite de oliva, por exemplo.

Foi no âmbito dessa nascente civilização da imagem que, pela primeira vez, as técnicas de reprodução propiciaram o trânsito de imagens de obras-primas e os artistas puderam, então, ampliar seus repertórios. Mubarac pontua que a noção de autoria é distante de nossa visão atual, sendo comum uma espécie de “dança das influências” (MUBARAC, 2016, p. 252). Se, nas primeiras xilogravuras a autoria era diluída entre desenhistas e entalhadores que partilhavam a construção da matriz, nos primeiros talhos-doces — denominações das primeiras gravuras em metal — “desenhista e gravador, na grande maioria dos casos, é a mesma figura. Ourives, desenhistas, escultores e pintores foram a um só tempo os primeiros gravadores em metal e não eram simples artesãos a trabalhar com buris sobre metais preciosos” (MUBARAC, 2016, p. 249). Ghiberti, Verrocchio, Pollaiuolo, Mantegna, Schongauer, Dürer e muitos mestres anônimos não dirigiam suas produções imediatamente ao comércio popular de imagens, mas a uma restrita “indústria de luxo” sustentada por religiosos, aristocratas e ricos comerciantes.

Mubarac sublinha que os “gravadores se copiavam mutuamente” e não hesitavam em tomar desenhos e pinturas que viam, adicionando-os a seu repertório de imagens e figuras, propondo, ao copiar, interpretações livres e eloquentes (MUBARAC, 2016, p. 249). A fronteira da autoria era, portanto, bastante flexível. Para exemplificar, o autor nos apresenta ao Mestre do Gabinete de Amsterdã, cujos trabalhos estão no Gabinete de Estampas do Rijksmuseum (Amsterdã) e evidenciam qualidades estéticas e técnicas elevadas. Mubarac ressalta que aspectos da poética do Mestre do Gabinete de Amsterdã precedem a obra de Martin Schongauer, o mais importante mestre alemão dos primeiros tempos do talho-doce. É possível ver ainda outros ecos da obra do mestre anônimo na gravura A sagrada família com borboleta, de Albert Dürer, entre outros (STRAUSS, 1973).

Referência

STRAUSS, W. L. (Ed.). The complete engravings, etchings and drypoints of Albrecht Dürer. Nova York: Dover Publications, 1973.

Para ler os artigos, acesse

MUBARAC, C. Notas sobre incisão (primeira revisão). ARS (São Paulo) [online]. 2006, vol.4, n.7, pp.90-95. [viewed 28 November 2017]. ISSN 1678-5320. DOI: 10.1590/S1678-53202006000100009. Available from: http://ref.scielo.org/6zyjjq

MUBARAC, C. Anotações sobre o nascimento da gravura de estampa (mestres anônimos). ARS (São Paulo) [online]. 2016, vol.14, n.28, pp.246-255. [viewed 28 November 2017]. ISSN 1678-5320. DOI: 10.11606/issn.2178-0447.ars.2016.124966. Available from: http://ref.scielo.org/v2fpbc

Link externo

ARS (São Paulo) – ARS: www.scielo.br/ars

Sobre Liliane Benetti

Liliane Benetti

Liliane Benetti

Liliane Benetti é Doutora em História, Teoria e Crítica de Arte pela Universidade de São Paulo (ECA-USP), professora adjunta da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (EBA-UFRJ) e editora da revista ARS desde 2016.

 

 

 

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

BENETTI, L. Claudio Mubarac lança seu olhar para os primórdios da gravura de estampa e encontra ressonâncias atuais no início da “civilização de imagens” [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2017 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2017/12/01/claudio-mubarac-lanca-seu-olhar-para-os-primordios-da-gravura-de-estampa-e-encontra-ressonancias-atuais-no-inicio-da-civilizacao-de-imagens/

 

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