Interesses conflitantes podem influenciar nos resultados de uma empresa?

Silvio Popadiuk, editor-chefe da Revista de Administração Mackenzie – RAM, São Paulo, SP, Brasil

Vitória Batista Santos Silva, suporte técnico da Revista de Administração Mackenzie – RAM, São Paulo, SP, Brasil

Muito se discute sobre a questão da independência de alguns órgãos administrativos em relação à organização sobre a qual exercem influência. Os principais argumentos estão ligados à questão dos interesses dos que ocupam esses cargos administrativos, colocando que uma relação muito próxima entre quem administra e quem é administrado pode trazer perda de eficiência no que diz respeito ao funcionamento da empresa. É preciso considerar, no entanto, que essas empresas são administradas por seres humanos, e que é impossível isolar variáveis como o comportamento individual e os interesses.

Na esfera macroeconômica, uma questão relacionada a esse tópico que gera controversas e diferentes opiniões é a independência do Banco Central do Brasil. Quem é a favor, expõe que o fato de uma intervenção menor do governo nas atividades do banco iria evitar que o Poder Executivo direcionasse as decisões do órgão a fim de satisfazer os interesses de determinados grupos da sociedade, em lugar de tomar as decisões que, de fato, trariam melhores resultados à política monetária corrente.

Do ponto de vista microeconômico, essa visão possui aplicações que podem ser observadas em vários setores da economia, por um lado pelo que se conhece como regulação econômica. Muitas agências reguladoras desenvolvem mais uma relação de “cumplicidade” com as empresas fiscalizadas, do que de fato um controle sobre as atividades desempenhadas pela organização, isto é, unem seus interesses particulares e esquecem do interesse da sociedade como um todo. A captura regulatória pode ser definida como a atuação de uma agência em favor da empresa regulada, fazendo com que o objetivo principal deixe de ser os melhores resultados a favor de quem consome determinada mercadoria (serviços/produtos) (BREGMAN, 2006).

Por outro lado, os interesses das duas partes em questão, ao invés de se alinharem para um objetivo particular, se distanciando do objetivo da sociedade como um todo, podem divergir entre si, e as metas individuais podem atrapalhar no desempenho da companhia. Na teoria, essa questão é discutida no que se chama modelo do agente-principal, ou teoria da agência, que é a base para o desenvolvimento do estudo de Ruan C. dos Santos et al., em “Board of directors: the perspective of independents in the performance of private organizations? Evidences in Brazil”. Os autores analisaram 33 sociedades por ações do segmento de concessão de rodovias, listadas na BM&FBOVESPA, a fim de compreender como a independência de órgãos administrativos influencia nos resultados das empresas. As conclusões apontaram para resultados significativos, no sentido de que a independência traz resultados positivos no que tange à gestão financeira.

No artigo de Kléber F. Miranda et al., intitulado “Investor sentiment and earnings management: does analysts’ monitoring matter?”, é discutido, entre outros fatores, o comportamento dos gestores frente a momentos de bom desempenho de suas empresas, quando da presença ou não de analistas. Os resultados mostraram que quando os analistas estão atuando, inibindo a prática de gerenciamento de resultados, o lucro contábil da empresa é influenciado. Segundo os autores (2018, p. 22), “Esse fato passou a representar uma possível explicação para a redução do nível de accruals[1] após períodos otimistas, uma vez que a presença de analistas se demonstrou influente na relação entre o sentimento do investidor e o gerenciamento de resultados”.

Assim sendo, fica evidenciado que os interesses conflitantes e o comportamento dos seres humanos são algumas das razões que devem ser levadas em consideração quando o assunto é o foco nos resultados, pois são fatores que podem resultar em perda de eficiência econômica. Dessa forma, em muitos casos será possível observar que na tentativa de distanciar determinados órgãos das partes administradas, o resultado pode ser uma melhora do desempenho das companhias como um todo.

[1] No artigo em questão, é utilizado como sinônimo de acumulações discricionárias.

Referências

BREGMAN, D. Algumas questões sobre a captura regulatória. Seminário Internacional – Reestruturação e regulação do setor de energia elétrica e gás natural. Rio de Janeiro: GESEL – Grupo de Estudos do Setor Elétrico (UFRJ), 2006.

Para ler os artigos, acesse

MIRANDA, K. F., MACHADO, M. A. V. and MACEDO, LUCIANA A. F. Investor sentiment and earnings management: does analysts’ monitoring matter?. RAM, Rev. Adm. Mackenzie [online]. 2018, vol.19, n.4, eRAMF180104. ISSN 1678-6971. [viewed 14 November 2018]. DOI: 10.1590/1678-6971/eramf180104. Available from: http://ref.scielo.org/rpbbt3

SANTOS, R. C., ORSO, L. É., LIZOTE, S. A. and MARCON, R. Board of directors: the perspective of independents in the performance of private organizations? Evidences in Brazil. RAM, Rev. Adm. Mackenzie [online]. 2018, vol.19, n.4, eRAMF180003. ISSN 1678-6971. [viewed 14 November 2018]. DOI: 10.1590/1678-6971/eramf180003. Available from: http://ref.scielo.org/6b3c4x

Link externo

Revista de Administração Mackenzie – RAM: www.scielo.br/ram

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

POPADIUK, S. and SILVA, V. B. S. Interesses conflitantes podem influenciar nos resultados de uma empresa? [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2018 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2018/11/14/interesses-conflitantes-podem-influenciar-nos-resultados-de-uma-empresa/

 

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