Silvia Araújo, Editora Executiva da Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos (RBEP), Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais – Inep, Brasília, DF, Brasil.
Nos últimos anos, a educação escolar tem atraído significativa atenção de grandes corporações. Para além da conhecida expansão por meio de franquias envolvendo escolas privadas, são notórias as estratégias de investimento no setor educacional como a oferta de ações na bolsa de valores, a fusão entre empresas do ramo e a venda de pacotes de ensino e materiais para escolas. Diante desse cenário, tornou-se cada vez mais relevante refletir sobre os rumos da educação, uma vez que, conforme demonstra a literatura científica, estas operações são capazes de transcender o campo econômico e atravessar as práticas de ensino. Exemplo disso, são os Sistemas Apostilados de Educação (SAEs), que de acordo com os autores do artigo Sistemas Apostilados de Ensino e a autonomia ilusória: reflexões à luz de José Contreras, publicado na Edição 262 da Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos (RBEP), têm sido atualizados por redes empresariais para utilização em escolas da educação básica, atraindo a atenção de redes públicas e privadas.
Neste estudo, um grupo de pesquisadores da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) discute as implicações dos Sistemas Apostilados de Ensino (SAEs) para a autonomia docente. A partir da análise de literatura científica com dados de pesquisas empíricas, verifica-se que os SAEs, comumente utilizados em cursos preparatórios para provas de concursos e vestibulares, têm interferido significativamente na organização do ensino escolar, tornando as práticas de sala de aula altamente controláveis. Ainda assim, esses sistemas têm logrado adesão por parte significativa dos professores a eles submetidos. O que justificaria, segundo os autores, este apoio a um sistema que aparentemente diminui a autonomia docente e descaracteriza parte importante do processo de educar?
Os SAEs são organizados por meio de sequências didáticas e de atividades em módulos, podendo abranger ações de formação de professores e de gestão escolar. De acordo com os autores, estes sistemas definem a priori e sem participação do professor, a concepção de educação que deve orientar o fazer pedagógico. Ainda assim, os profissionais a eles submetidos não se veem sem autonomia, uma vez que podem decidir de que forma utilizarão o material em sala de aula e podem participar dos processos de formação continuada. Além disso, o estudo demonstra que os SAEs se estruturam a partir de mecanismos sutis de controle da prática docente no ambiente escolar, a exemplo do marketing, que associa estes sistemas a um alto padrão de qualidade, e do monitoramento de resultados estabelecidos pela gestão empresarial. Segundo os autores:
afastados de determinadas funções intelectuais do processo educacional, os professores se assemelhariam ao modelo de profissional técnico que se limita a aplicar métodos de ensino para os objetivos educacionais determinados externamente. Assim, sua liberdade para trabalhar dentro da sala de aula está sempre restrita a um contexto organizacional que já lhe foi imposto.
O artigo discute as implicações do que em Contreras (2012) entende-se por “autonomia ilusória”, uma vez que, na perspectiva dos SAEs, a função dos professores é mais a de aplicar programas curriculares dentro da burocracia escolar que a de se apropriar criticamente dos currículos e definir objetivos de aprendizagem. Nessa linha, a pesquisa contribui para o debate sobre a precarização do trabalho docente em contraposição ao papel crítico, reflexivo e autônomo do professor e sobre a expansão da lógica de mercado no campo educacional.
Leia mais
CONTRERAS, J. A autonomia de professores São Paulo: Cortez, 2012.
Para ler o artigo, acesse
ORTIZ, G.S., DENARDIN, L. and NETO, P.S. Sistemas Apostilados de Ensino e autonomia ilusória: reflexões à luz de José Contreras. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos [online]. 2021, vol. 102, no. 262, pp. 607-625 [viewed 31 January 2022]. https://doi.org/10.24109/2176-6681.rbep.102i262.4847. Available from: https://www.scielo.br/j/rbeped/a/tkz3L8Gjyq4BSjCsR74WxZs/?lang=pt
Link(s)
Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos: http://rbep.inep.gov.br/
Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos – RBEPED: https://www.scielo.br/j/rbeped/
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