Há neutralidade na burocracia educacional?

Rodrigo Rosistolato. Professor da Faculdade de Educação – FE – da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Departamento de Fundamentos da Educação, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Ana Pires do Prado. Professora da Faculdade de Educação – FE – da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Departamento de Fundamentos da Educação, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. 

Diana Gomes da Silva Cerdeira. Professora da Faculdade de Educação – EDU – da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, Departamento de Estudos Aplicados ao Ensino, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

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A matrícula escolar, à primeira vista, parece um tema corriqueiro e sem grandes problematizações possíveis na pesquisa educacional. Porém, quando utilizamos uma lente mais acurada percebemos que as ações realizadas pelos burocratas da linha de frente da implementação de políticas de matrícula têm relação direta com a construção das trajetórias educacionais dos estudantes. 

As redes de ensino no Brasil são estratificadas por desempenho e por reputação das escolas. Com isso, cria-se um terreno de disputa entre as famílias pelas melhores escolas. Em tese, em um sistema republicano, as escolas seriam equânimes e o fato de estarem em uma ou outra escola não faria diferença para o aprendizado dos estudantes. 

A estratificação interna dos sistemas educacionais complica – e muito – a vida das famílias porque elas precisam conjugar uma série de fatores ao escolherem as escolas dos seus filhos: proximidade com a residência, adequação às rotinas familiares e qualidade da escola. Depois de tudo isso, ainda precisam competir com outras famílias pelas melhores escolas dos seus bairros ou das suas cidades e dialogar com a burocracia educacional, que nem sempre é neutra em suas ações. 

O estudo Burocracia escolar e reprodução de estigmas sobre os estudantes e suas famílias faz parte de um programa de pesquisa desenvolvido no Laboratório de Pesquisa em Oportunidades Educacionais – LaPOpE, da Universidade Federal do Rio de janeiro, desde 2009. Nele, mergulhamos nas percepções dos burocratas da rede municipal de ensino do Rio de Janeiro sobre as suas próprias ações no decorrer dos processos de matrícula escolar. Revelamos uma série de atravessamentos nestas ações, ligados a visões pautadas por estigmas e rótulos relacionados aos estudantes e às suas famílias. 

A principal contribuição do estudo é a demonstração de que os sistemas educacionais não apenas reproduzem desigualdades sociais de origem. Eles também produzem novas formas de desigualdade e a matrícula escolar têm relação direta com este fenômeno. O artigo evidencia que há escolas, famílias e alunos mais e menos desejados, e que as ações dos burocratas tendem a considerar estas visões na implementação de uma política que foi desenhada com base em critérios republicanos. 

Tem-se uma contradição que revela a ausência de neutralidade nas ações da burocracia educacional e coloca desafios para a formação dos agentes implementadores de políticas educacionais. 

Referências

GOFFMAN, E. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Tradução: Mathias Lambert. Rio de Janeiro: LTC – Livros Técnicos e Científicos, 1975.

LIPSKY, M. Street-Level bureaucracy: dilemmas of the individual in public services. New York: Russell Sage Foundation, 1980.

MAYNARD-MOODY, S. and MUSHENO, M. Cops, Teachers, counselors – stories from the front lines of public service. Ann Arbor: The University of Michigan Press, 2003.

ROSISTOLATO, R., et al. Burocracia educacional em interação com as famílias nos processos de matrícula escolar na cidade do Rio de Janeiro. Jornal de Políticas Educacionais [online]. 2019, vol. 13, e68554 [viewed 30 November 2023]. https://doi.org/10.5380/jpe.v13i0.68554. Available from: http://educa.fcc.org.br/pdf/jpe/v13/1981-1969-jpe-13-e68554.pdf  

Links externos

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Como citar este post [ISO 690/2010]:

ROSISTOLATO, R., PRADO, A.P. and CERDEIRA, D.G.S. Há neutralidade na burocracia educacional? [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2023 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2023/11/30/ha-neutralidade-na-burocracia-educacional/

 

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