Maria Thereza Magalhães Gomes de Santana, bolsista no periódico Varia Historia, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil
Varia Historia, em seu último número do ano de 2017 (v. 33, n. 63), apresenta o dossiê “A Terra e os homens sob fogo”, organizado por Júnia Ferreira Furtado, professora titular aposentada da Universidade Federal de Minas Gerais, atuante no Programa de Pós-Graduação em História desta universidade, e uma das maiores colaboradoras do nosso periódico. O dossiê prioriza as interações históricas do fogo com o homem e reflete sobre como a espécie humana é a única capaz de dominar este elemento. Reitera, no entanto, que esse controle não é absoluto, já que o fogo age muitas vezes insubordinadamente, voltando-se contra aqueles que pensam dominá-lo, como acontece em casos de incêndios ou de terremotos e vulcões. Furtado é categórica: “a experiência humana, para melhor ou para pior, tem sido moldada pelo fogo. Este é o tema desse dossiê” (FURTADO, 2017, p. 579).
Sendo o fogo um elemento central na composição da Terra, diversas teorias sempre se desdobraram para tentar compreendê-lo em seu fenômeno e origem. Essas teorias carregaram, por vezes, explicações bíblicas. Mas foi principalmente a partir do século XVIII que, em contrapartida aos fundamentos religiosos, os homens da ciência buscaram cada vez mais compreender as causas naturais dos eventos geológicos. De acordo com a organizadora do dossiê, para além da busca pela aproximação da razão já latente nos solos europeus a partir do Iluminismo, o século XVIII presenciou o Terremoto de Lisboa de 1755, ao qual se sucedeu um tsunami e um grande incêndio que devastaram a cidade. Tal episódio marcou os limites humanos no controle dessa força da natureza — o fogo. A partir desse evento até então inigualável, a comunidade savant europeia concentrou sua atenção nos processos geológicos observáveis, buscando um “entendimento da natureza em bases cada vez mais racionais, explicada a partir de causas naturais” (FURTADO, 2017, p. 581).
O dossiê compila três artigos: “Sacudir e assar: um comentário sobre terremotos e incêndios”, de Stephen Pyne; “O fogo é o agente, que causa tantas maravilhas: a América e as explosões subterrâneas na História Universal dos Terremotos de 1758”, de Jorge Ferreira e Maria Margareth Lopes; e “Ciências da Terra e História na obra de Correia da Serra (1751-1823)”, de Ana Simões, Ana Carneiro e Maria Paula Diogo.
O artigo de Stephen Pyne, traduzido do inglês para o português por Clara Furtado Lins, discute a história de terremotos e incêndios, e propõe a retomada de episódios como os terremotos de Lisboa (1755), de São Francisco (1906) e de Tóquio (1923) para que se entenda a lógica que dá nome ao artigo: “sacudir e assar”. Todos esses abalos sísmicos foram sucedidos por incêndios que se alastraram por até cinco dias consecutivos, cumprindo a ordem descrita no título. O autor ressalta, entretanto, que o início de uma conflagração não se dá somente a partir de terremotos: as causas são variadas, tanto para o ambiente rural, quanto para o ambiente urbano. Mesmo as cidades mais desenvolvidas (em que materiais facilmente combustíveis foram substituídos por outros em suas construções) não estão imunes a uma variante perversa de destruição e queima, principalmente desde a Segunda Guerra Mundial: a guerra aérea e seus bombardeios.
Pyne reitera ainda que, conhecendo-se o fogo como um fenômeno interativo, insubordinado e aproveitador, deve-se estar sempre preparado para a ocorrência de grandes terremotos e incêndios, a começar pelas construções civis das cidades. Tarefa necessária, afinal, já que não é possível prever quando esses fenômenos geológicos ocorrerão, pode-se estimar sempre suas localidades: “Nesses locais propensos a terremotos e a incêndios pode-se tomar medidas atenuantes antes que a catástrofe aconteça. Incêndios desastrosos fazem com que a história se imponha sobre a geografia; já medidas preventivas permitem que a geografia atenue a história” (PYNE, 2017, p. 589).
No segundo artigo, Jorge Ferreira e Maria Margareth Lopes comentam a obra A História Universal dos Terremotos, escrita pelo português Joachim José Moreira de Mendonça em 1758, três anos após o Grande Terremoto de Lisboa. Os autores trabalham sob a chave das mudanças de entendimento da natureza, refletindo sobre as interpretações mais comuns à época, que encaravam as ocorrências sísmicas como castigo divino, até às explicações com bases cada vez mais racionais, que buscavam compreender esses fenômenos a partir de causas naturais. Por isso, compreendem a obra analisada como evidência da “convivência de diversas teorias modernas e mudanças de entendimento em relação aos sismos”, ao mesmo tempo em que ressaltam que o livro “trata os terremotos como desastres naturais no contexto da cultura científica de sua época” (FERREIRA; LOPES, 2017, p. 591-592).
O artigo que fecha o dossiê, de Ana Simões, Ana Carneiro e Maria Paula Diogo, debruça-se sobre a confluência das teorias de História e de Ciências Naturais no pensamento do naturalista português Correa da Serra, abade que viveu entre 1751 e 1823. As autoras analisam o trabalho de pesquisa deste botânico, demonstrando ser ele fruto de sua postura epistemológica a partir da qual entendia o Homem e a Natureza como partes agentes do planeta. Essa ação, dizia ele, era responsável por revolucionar e modificar o mundo: suas paisagens, sua história, etc. Portanto, deve-se sempre estabelecer, à título de investigação, relações dinâmicas entre o humano e o natural. De acordo com Furtado, organizadora do dossiê: “Segundo as três autoras, de maneira singular e criativa, seu pensamento promove ‘uma historicização da natureza e uma naturalização da História’, pois defende que ambas são, de tempos em tempos, abaladas por eventos únicos e de grande impacto, com grande capacidade de transformação tanto da paisagem, quanto da história da humanidade” (FURTADO, 2017, p. 582).
Os artigos citados podem ser acessados online e gratuitamente na plataforma SciELO, assim como todos os números e artigos da Varia Historia.
Referências
FERREIRA, J. and LOPES, M. M. O fogo é o agente, que causa tantas maravilhas A América e as explosões subterrâneas na História Universal dos Terremotos de 1758. Varia hist. [online]. 2017, vol.33, n.63, pp.591-623. ISSN 0104-8775. [viewed 6 February 2018]. DOI: 10.1590/0104-87752017000300004 Available from: http://ref.scielo.org/k8kmm4
FURTADO, J. F. Apresentação: A Terra e os homens sob fogo. Varia hist.[online]. 2017, vol.33, n.63, pp.579-582. ISSN 0104-8775. [viewed 6 February 2018]. DOI: 10.1590/0104-87752017000300002. Available from: http://ref.scielo.org/jfn3gr
PYNE, S. J. Sacudir e assar Um comentário sobre terremotos e incêndios. Varia hist. [online]. 2017, vol.33, n.63, pp.583-589. ISSN 0104-8775. [viewed 6 February 2018]. DOI: 10.1590/0104-87752017000300003. Available from: http://ref.scielo.org/4fzjk9
SIMOES, A., CARNEIRO, A. and DIOGO, M. P. Earth Sciences and History in the Work of Correia da Serra (1751-1823). Varia hist. [online]. 2017, vol.33, n.63, pp.625-656. ISSN 0104-8775. [viewed 6 February 2018]. DOI: 10.1590/0104-87752017000300005. Available from: http://ref.scielo.org/955q5v
Para ler os artigos, acesse
Varia hist. vol.33 no.63 Belo Horizonte Sept/Dec. 2017
Links externos
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