A atualidade da Psicanálise na clínica e na cultura

Joel Birman, Editor do periódico Ágora – Estudos em Teoria Psicanalítica, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Professor do Instituto de Psicologia, Programa de Pós-Graduação em Teoria Psicanalítica, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Os treze artigos que compõe o volume 21, número 3 de 2018 apresentam questões relevantes para a relação da psicanálise com a cultura e outros campos do saber, como também, para a clínica e a teoria psicanalítica. Sobre o primeiro eixo, são abordados temas relacionados ao gênero e à sexualidade, à noção da verdade no campo do direito e na psicanálise e a interação desta com o cinema e a educação no trabalho com adolescentes. No que concerne à clínica, são trabalhados: a depressão, a melancolia em pacientes com perdas cognitivas e o narcisismo como campo de pesquisa. Em relação à teoria, investiga-se o silêncio — a partir de Abraham e Robert Fliess — e a feminilidade, a partir de Melanie Klein. Além disso, é trabalhado a função paterna na teoria lacaniana, como também, a interface entre a psicanálise e a filosofia de Aristóteles e Heidegger.

O primeiro eixo é composto por quatro artigos. No artigo “Do ‘limbo feliz’ de Herculine ao ‘tecnogênero’ de Preciado: um novo cenário para a abordagem psicanalítica da sexuação”, Simone Perelson articula a teoria lacaniana da sexuação ao movimento queer. Além disso, a autora contrasta “O diário de Herculine” (FOUCAULT, 1978/1983) e “Testo junkie”, de Paul B. Preciado (2018), evidenciando as diferenças entre o regime disciplinar e “farmacopornográfico”.

A problemática da sexualidade também é abordada no artigo “A proscrição da homossexualidade masculina na história do movimento psicanalítico institucionalizado”, onde Lucas Charafeddine Bulamah e Daniel Kupermann investigam como se deu, no seio das instituições ligadas à Associação Psicanalítica Internacional (IPA), a proscrição de candidatos gays à formação em psicanálise. Para isso, discutem a institucionalização da psicanálise e as concepções teóricas que patologizam a homossexualidade.

No artigo “Verdades e verdades: uma análise a partir do filme ‘A caça’”, Roseane Torres de Madeiro e Roseane Freitas Nicolau fazem uma articulação entre os campos da psicanálise e do direito, a partir da problemática da verdade. Considerando que no primeiro campo, a verdade é buscada através da investigação e, no segundo, através do discurso do sujeito, as autoras discutem a prática do Depoimento Sem Dano — inquérito feito com crianças — a partir do filme A caça (Jagten).

A partir de uma articulação entre Psicanálise, Cinema e Educação, Rose Gurski e Stéphanie Strzykalski propõe uma reinvenção dos dispositivos de escuta para jovens que experienciam a passagem adolescente. Para isso, as noções de “oficineiro”e “pesquisador-catador-de-restos” ganham um lugar central no artigo que tem como título “A pesquisa em psicanálise e o ‘catador de restos’: enlaces metodológicos”.

O segundo eixo, dedicado mais propriamente à clínica psicanalítica, é composto por três artigos. Fernanda de Souza Borges e Paulo José da Costa analisam como a experiência da depressão tem se apresentado no campo da neurose. No artigo, que se intitula “Um estudo psicanalítico das relações entre depressões neuróticas e desejo: aproximações possíveis”, os autores exploram a como a deflação libidinal se articula à função do desejo, o que implica em discutir a inibição, os processos narcísicos e o luto.

Outra discussão clínica, que também tangencia o tema do luto, diz respeito à experiência melancólica que afeta pacientes com perdas cognitivas decorrentes de algum adoecimento neurológico. Este estudo, intitulado “Nostalgia de si: melancolia e adoecimento neurológico”, é realizado por Ana Bárbara Andrade e Monah Winograd que, através de uma pesquisa teórico-clínica, evidenciam que as perdas cognitivas supõem um trabalho de luto, o que é acompanhado, muitas vezes, por uma vivência nostálgica.

O narcisismo como campo de pesquisa é investigado por Perla Klautau que analisa a constituição da subjetividade, dando enfoque ao momento em que a unidade do eu ainda não se configurou. Seu artigo, intitulado “Sobre o narcisismo como campo de pesquisa: variações da técnica psicanalítica e desdobramentos clínicos”, defende que a exploração dos primórdios da vida psíquica contribui para a escuta do material inconsciente que está fora do campo da representação, o que confere importância à qualidade da presença do analista.

O terceiro eixo, que tem um enfoque mais teórico, é composto por seis artigos. No trabalho “Silêncio e verbalização: a matriz metapsicológica de Karl Abraham e Robert Fliess”, Sergio Gomes investiga a matriz metapsicológica do silêncio. Para isso, o autor apresenta as hipóteses teóricas de Karl Abraham (1927) e de Robert Fliess (1949/2010), em que o primeiro analisa o silêncio através da incidência da libido e das zonas erógenas na constituição da personalidade e o segundo a partir do aparelho de linguagem, sendo este entendido como uma descarga pulsional regressiva erótica.

Outro trabalho revistado é o de Melanie Klein, sobretudo, no que tange à temática da feminilidade, desenvolvida pela autora no início de sua obra (1921 até 1931). Esta é a proposta do artigo “Feminilidade e Melanie Klein: o tema da feminilidade em suas primeiras publicações”, em que Marcos Leandro Klipan e Jorge Luis Ferreira Abrão, analisam como a descrição kleiniana da feminilidade se articula à concepção que a autora tem sobre o materno e o complexo de Édipo.

No artigo intitulado “A formação do conceito de Nome do pai (1938-1958)”, Rosane Zétola Lustoza explora como o conceito de Nome do Pai foi desenvolvido, na obra lacaniana, no período de 1938 até 1958. Para isso, a autora evidencia três concepções distintas — o pai como imago, a função paterna como símbolo e o Nome do pai como significante — para, em seguida, discutir como, a partir da década de 1950, este conceito se defrontou com alguns limites.

A figura do pai na obra lacaniana também é analisada por Magali Milene Silva e Sônia Altoé no artigo intitulado “O pai: uma questão sempre atual para a psicanálise”. O trabalho almeja discernir a função paterna — e suas implicações para o sujeito do inconsciente — do papel social do pai, isto é, da forma como ele se apresenta na realidade social.

Em “Do gozo à erótica: crítica do prazer no Seminário Livro VII de Lacan”, Malcom Guimarães Rodrigues, partindo das definições de Aristóteles a respeito do prazer e da crítica de Lacan (1986) a este conceito, discute como a erótica pode funcionar como resistência em relação ao gozo transgressor.

Em “Simulacro e Ideia de Platão à psicanálise”, Pedro Sobrino Laureano discute como a psicanálise, tanto freudiana como lacaniana, se filia ao projeto platônico. O autor sustenta que esta leitura só é possível se a imagem de Platão, como um filósofo dogmático, seja colocada em questão e que se reconheça que a verdade de seu discurso compreende falhas intrínsecas. Por fim, se analisa as articulações entre o platonismo e o real, tal como definido por Lacan.

A edição se encerra com a resenha “O encontro Lacan-Foucault entre a crítica, a interlocução e a resistência”, na qual Luiz Paulo Leitão Martins destaca os pontos cruciais do livro “Lacan e Foucault: conjunções, disjunções e impasses”, de Joel Birman e Christian Hoffmann (2017).

Referências

ABRAHAM, K. The influence of oral erotism on characterformation (1924). In: ABRAHAM, K. Selected papers of Karl Abraham. London: Hogarth Press, 1927.

BIRMAN, J. and HOFFMANN, C. Lacan e Foucault. São Paulo: Instituto Langage, 2017.

FLIESS, R. Silêncio e verbalização: um suplemento à teoria da “regra analítica” (1949). In: NASIO, J.-D. (Org.). O silêncio na psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. p. 59-80.

FOUCAULT, M. Herculine Barbin: o diário de um hermafrodita (1978). Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1983.

LACAN, J. L’éthique de la psychanalyse (1959-1960). Paris: Seuil, 1986. (Le séminaire, 7).

PRECIADO, P. B. Testo junkie, sexo, drogas e biopolítica na era farmacopornográfica. São Paulo: n-1 edições, 2018.

Para ler os artigos, acesse

Ágora (Rio J.) vol.21 no.3 Rio de Janeiro set./dez. 2018

Link externo

Ágora: Estudos em Teoria Psicanalítica – AGORA: www.scielo.br/agora

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

BIRMAN, J. A atualidade da Psicanálise na clínica e na cultura [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2018 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2018/12/14/a-atualidade-da-psicanalise-na-clinica-e-na-cultura/

 

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