Reflexos na Casa de Vidro: Agnaldo Farias comenta as fotografias de Mauro Restiffe

Bruna Mayer, Graduanda de Artes Visuais (ECA-USP), São Paulo, SP, Brasil

Durante o lançamento do número 29 da ARS, realizado na Pinacoteca de São Paulo no dia 24 de junho de 2017, Agnaldo Farias, professor, curador e crítico de arte, comentou seu artigo “Reflexos da Casa de Vidro, de Philip Johnson, arquiteto, ou o processo de trabalho de Mauro Restiffe, fotógrafo”, publicado no periódico.

Farias, em sua apresentação, introduziu o público à Série – Casa de Vidro, ensaio fotográfico realizado pelo fotógrafo Mauro Restiffe na Glass House, residência projetada e habitada pelo arquiteto norte-americano Philip Johnson em New Canaan, Connecticut, EUA. O autor trouxe à luz conexões declaradas com a casa de vidro de Mies Van der Rohe e ressaltou a importância do projeto no êxito da arquitetura moderna nos Estados Unidos da América.

Segundo o autor, a casa é fonte de curiosidade e inquietude: resolve-se em planos com bordas de aço escuro e placas de vidro, tais que passam quase despercebidas por sua presença discreta, “confundida entre água e ar, faz com que não prestemos muita atenção a ele” (FARIAS, 2017, p. 60):

Uma pequena casa transparente, um cristal em meio a paisagem, ela própria paisagem, dignamente pousada diante de um gramado, na borda de um vale, tendo por trás de si um renque de árvores no qual se sobressai um carvalho, e que descai suavemente acompanhado a encosta até encontrar o espelho luminoso do lago mais embaixo (FARIAS, 2017, p. 46).

Tanto em sua fala quanto em seu artigo, Farias analisa o trabalho de Restiffe enquanto um caso bem-sucedido de implicação mútua entre produção crítica e produção artística. Enquanto fotógrafo seu problema central “tem sido o lugar da fotografia, a plasticidade com que se aproxima e se afasta do mundo” (FARIAS, 2017, p. 48) e, para além disso, “a problematização da fotografia como um produto do olhar de quem a vê […] que, diante de suas fotos, frequentemente percebe-se enredado num jogo no qual sua própria percepção é questionada” (FARIAS, 2017, p. 48).

Farias comenta que Restiffe, ao explorar a “fértil dobradiça” (FARIAS, 2017, p. 51) entre o emprego do vidro na arquitetura e o pensar a arquitetura e a cidade como fotografia, transforma sua fotografia num campo reflexivo: junta-se a sua peculiar problematização da luz a compreensão do artista sobre o problema da reflexão e se faz “imagens constituídas por outras imagens” (FARIAS, 2017, p. 49-51). Restiffe, segundo Farias, “descobriu, do mesmo modo que Mies van der Rohe […] que, nela, acima de tudo, ‘o importante é o jogo de reflexos’” (FARIAS, 2017, p. 52).

Farias compreende o ensaio fotográfico de Restiffe como um ensaio crítico sobre as articulações criadas por Johnson entre a arquitetura da casa e o jardim inglês que a circunda, tendo como ponto de partida uma tela de Nicolas Poussin, que pertencia ao morador e está em exposição na Glass House. O fotógrafo explorou os reflexos “resultantes da luz e do vidro” e soma-se “sua acuidade em analisar a relação entre linguagens e tempos, mais precisamente, a relação histórica entre pintura, arquitetura e paisagem” (FARIAS, 2017, p. 53).

Ao fotografar a casa em uma única visita, Mauro Restiffe a articula em 8 fotos e 9 imagens, e traçou, ainda que inadvertidamente, os desdobramentos entre a casa, o jardim e a pintura e seus efeitos na transparência do vidro, “explicados por Colin Rowe e Robert Slutzky (1973), no seminal texto de 1963, ‘Transparência literal e fenomenal’”.

Segundo Farias, mais do que buscar relações, Restiffe consegue encontrar prolongamentos entre a pintura de Poussin e o jardim que circunda a casa:

reagindo a tendência do mestre francês em fazer uso das árvores para emoldurar uma cena determinada, […] Restiffe faz com que as árvores do entorno, além de emoldurarem a casa de Johnson, confundam-se com ambas, casa e pintura, num jogo de sobreposições, num amálgama de reflexos (FARIAS, 2017, p. 54)

Também é vislumbrar, nas fotografias, como a casa se desfaz, não apenas pela transparência do vidro, mas também pelos reflexos do jardim sobre o vidro que fazem a imagem do jardim penetrar o espaço interno. Farias se utiliza de um comentário de Jorge Luís Borges (1974) sobre a natureza do espelho: seria “um dispositivo monstruoso pois, como a cópula, reproduz”. Farias conclui pontuando que Restiffe inclui a fotografia no intercâmbio de linguagens, “renovando uma reverberação que vem de longe, um fenômeno de relações entrecruzadas […] e demonstrando que é ele que chamamos de realidade” (FARIAS, 2017, p. 60).

Referências

BORGES, J. L. Tlon, Uqbar, Orbis Tertius. In: Obras completas. Buenos Aires: Emecé Editores, 1974.

ROWE, C., SLUTZKY, R. Transparencia: literal y fenomenal. In: Manierismo y arquitectura moderna y otros ensayos. Barcelona: Gustavo Gili, 1978.

Para ler o artigo, acesse

FARIAS, A. Reflexos da Casa de Vidro, de Philip Johnson, arquiteto, ou o processo de trabalho de Mauro Restiffe, fotógrafo. ARS (São Paulo) [online]. 2017, vol.15, n.29, pp.45-61. [viewed 23 November 2017]. ISSN 1678-5320. DOI: 10.11606/issn.2178-0447.ars.2017.131497. Available from: http://ref.scielo.org/5cmd29.

Link externo

ARS (São Paulo) – ARS: www.scielo.br/ars

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

MAYER, B. Reflexos na Casa de Vidro: Agnaldo Farias comenta as fotografias de Mauro Restiffe [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2017 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2017/11/30/reflexos-na-casa-de-vidro-agnaldo-farias-comenta-as-fotografias-de-mauro-restiffe/

 

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