O papel do Boletim de Humanas do Museu Paraense Emílio Goeldi na qualificação acadêmica contínua

Jimena Felipe Beltrão, Jornalista, Ph.D. em Ciências Sociais (University of Leicester, Reino Unido), editora científica do Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, PA, Brasil

Silvia de Souza Leão, Jornalista, mestranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Linguagens e Cultura da Universidade da Amazônia (Unama), Belém, PA, Brasil

Dentre os ex-editores que viveram etapas anteriores está a antropóloga Lourdes Furtado. “Ainda nos anos 1990, atuei na Comissão de Editoração do Museu, quando tive oportunidade de aprender muito”, conta ela, hoje aposentada, mas ativa como docente no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, um convênio entre a Universidade Federal do Pará e o Museu Paraense Emílio Goeldi.

O Boletim, como os periódicos científicos brasileiros as quais têm sua origem nas instituições de pesquisa e ensino superior, tem papel preponderante na formação acadêmica desde a graduação, ressaltou Lourdes Furtado. É reconhecido que os periódicos são fonte de leitura e também como lócus para publicação de resultados de pesquisas. Foi assim, por exemplo, que a então antropóloga em formação atuou como revisora de provas dos artigos aprovados para publicação no Boletim e teve acesso a conteúdo em primeira mão. “Fui partícipe da trajetória dessa importante publicação desde que atuei como revisora de provas nos anos 1970.”

Lourdes demonstra preocupação com o acesso, mas na forma de aceite de contribuições de estudantes, jovens em formação. “É preciso dar oportunidade e acolhimento a trabalhos desde a iniciação científica, dos alunos do Programa de Iniciação Científica (PIBIC). Talvez criar uma sessão no periódico para conteúdo dessa natureza” sugere, preocupada com o reconhecimento dos esforços de quem apenas dá os primeiros passos na formação acadêmica.

A ex-editora reconhece os esforços de qualificação de conteúdos e de alinhamento do processo editorial do periódico às normas e exigências de avaliação por pares, de indexadores e das plataformas de acesso aberto, que requerem um nível argumentativo e um domínio da literatura e do campo, itens que, de fato, correspondem aos cânones da ciência. Já para Nelson Sanjad, historiador e ex-editor do BMPEG. Ciências Humanas, um dos principais problemas relacionados à ciência aberta é o da confiabilidade: “As principais acusações feitas aos periódicos abertos são a de que o processo de avaliação (peer review) que eles adotam seria falho ou fraudulento e a de que teriam baixa capacidade de atração de bons trabalhos. Creio que aí reside a importância de periódicos criados há algum tempo e amplamente reconhecidos no meio científico, avaliados por instituições igualmente reconhecidas”.

Sanjad explica que o BMPEG. Ciências Humanas é um periódico que já carrega prestígio suficiente para manter um processo de boas publicações. Para ele, “O Boletim do Museu Goeldi é um desses periódicos, capaz de agregar confiabilidade ao acesso aberto, uma vez que sua história é anterior a toda essa discussão e ele não se confundirá com os periódicos predadores que foram e continuam sendo criados para ocupar esse nicho do mercado editorial no mundo. Isso, contudo, também impõe a periódicos como o Boletim do Museu Goeldi uma grande responsabilidade e também desafios. De um lado, prover o rigor e a transparência necessários ao processo avaliativo e, de outro lado, priorizar a qualidade científica e ser capaz de atrair bons autores”.

De acordo com Hein van der Voort, linguista e ex-editor do BMPEG. Ciências Humanas esse aspecto é muito importante para garantia de salvaguarda do conteúdo do periódico. “O Boletim tem um papel importante neste respeito. Desde alguns anos está disponível online com livre acesso para todos. Como o processo de avaliação é por pares e completamente anônimo a qualidade do conteúdo é garantida na melhor maneira possível. E tanto o conteúdo do Boletim quanto as características do seu processo de avaliação e publicação levaram a classificação pela CAPES para A1 em todas as três áreas centrais das ciências humanas”. Assista no vídeo a seguir o depoimento do ex-editor Hein van der Voort.

Já Cristiana Barreto, arqueóloga, editora associada do BMPEG. Ciências Humanas, reforça que hoje o periódico, além de ser o principal veículo para a divulgação das pesquisas arqueológicas na Amazônia, devido a sua excelência, é também uma das publicações preferidas  para a publicação de trabalhos de arqueologia de todo o Brasil, com importantes sínteses dos avanços feitos nas últimas décadas, além de artigos e dossiês com autores internacionais sobre teoria e metodologia na arqueologia.

“Na década de 1980, o Boletim passa a ser o principal veículo de divulgação das pesquisas arqueológicas de salvamento em áreas de grandes empreendimentos na Amazônia, sobretudo em UHEs, tendo a própria equipe do Museu coordenado vários projetos deste tipo. Paralelamente continua a publicar as pesquisas acadêmicas que se multiplicam consideravelmente nas décadas seguintes, tornando-se importante repositório da produção de toda uma geração de arqueólogos do Museu Goeldi, como as pesquisas com terras pretas de Dirse Kern, com arte rupestre de Edithe Pereira, com sambaquis e sítios costeiros de Maura Imázio da Silveira, com cerâmicas arqueológicas de Vera Guapindaia, com sítios históricos de Fernando Marques e com as serras de Carajás de Marcos Magalhães, muitos atuando no Museu até o presente”, explica a arqueóloga.

A valorização do saber local, do conhecimento tradicional das populações amazônica é outra preocupação expressa pela ex-editora. Uma visão de futuro para a publicação científica envolve, na sua avaliação, a capacidade do “trabalho científico de incorporar a ciência indígena, a ciência cabocla, a ciência quilombola”. Para Lourdes Furtado, é papel da pesquisa que se publica. Segundo ela, é preciso “Mostrar a ciência que está lá, no campo” e que respalda “políticas públicas e protege o patrimônio e a propriedade intelectual”.

De fato, como fonte de informação acadêmica principalmente no que tange temáticas amazônicas, mas sobretudo preservando abordagem universal, o periódico centenário do Museu Paraense Emílio Goeldi tem natureza diversa. Tanto nos temas que trata como nos autores que nela publicam, guarda o Boletim um conjunto de relevância para a formação em nível superior.

Sujeitos presentes na extensa gama de pesquisas cujos resultados são publicados no Boletim, as populações tradicionais estão presentes em pelo menos metade dos mais de 30 artigos publicados em 2018. O BMPEG. Ciências Humanas publica uma ampla diversidade de temas em inúmeras disciplinas. Transitando no campo das artes, por exemplo, tratou ao longo de 2018, de cinema Reis (2018), de artes plásticas Vieira Costa (2018). Abrigou o tema da cultura popular e das comunidades quilombolas e sua luta por reconhecimento de território de Lima Filho, Cardoso e Alencar (2018); relatos de viajantes naturalistas são fontes constantes da análise de Gomes (2018) e Ximenes e Coelho (2018).

A importância do Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi

Por Gutemberg Armando Diniz Guerra, doutor em Socioeconomia do Desenvolvimento pela École des Hautes Études en Sciences Sociales, França (1999) e professor do Programa de Pós-graduação em Agriculturas Amazônicas do Núcleo de Ciências Agrarias e Desenvolvimento Rural da Universidade Federal do Pará (UFPA).

Em que pese a importância do atendimento aos estatutos da Ciência, seja como exercício na formação de jovens pesquisadores, seja como prática de pesquisadores seniors que conseguem distinguir e discernir quando podem e devem ir além das rígidas estruturas da exposição de seus trabalhos, o Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi se vê tanto com essas funções como a de transmitir ao público em geral os conhecimentos acumulados nessa porção do continente. Mais do que isso, temos certeza e algumas delas confirmadas por depoimentos e confirmação de leituras que inspiram pesquisadores de outras regiões do continente e do mundo.

A riqueza de detalhes na descrição das atividades pesquisadas são matéria estimulante para os iniciados na atividade científica, se prestando como essencial no exercício de leitura e reflexão dos grupos de pesquisa envolvendo alunos de graduação e pós-graduação nas diversas áreas de conhecimento, mesmo que se tenha o recorte disciplinar em textos que forçosamente dialogam com um universo diverso.

Os artigos ilustram os aspectos que nos inspiram ao diálogo científico na Panamazônia, abrindo os nossos olhos para a importância de carregar no pleito ao muito investimento que ainda se deve fazer para compreensão desse espaço e das relações que nele se constroem, a despeito de toda a violência com que o processo civilizatório (ou de barbárie mascarada de civilização) tem se implantado na região.

Para ler os artigos, acesse

GOMES, C. V. A. Ciclos econômicos do extrativismo na Amazônia na visão dos viajantes naturalistas. Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Ciênc. hum. [online]. 2018, vol.13, n.1, pp.129-146. ISSN 1981-8122. [viewed 23 November 2018]. DOI: 10.1590/1981.81222018000100007. Available from: http://ref.scielo.org/ygrkct  

LIMA FILHO, P. M., CARDOSO, L. F. C. and ALENCAR, E. Festas de santo, território e alianças políticas entre comunidades quilombolas de Salvaterra, Marajó, Pará, Brasil. Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Ciênc. hum. [online]. 2018, vol.13, n.1, pp.109-128. ISSN 1981-8122. [viewed 23 November 2018]. DOI: 10.1590/1981.81222018000100006. Available from: http://ref.scielo.org/zdpg8f 

REIS, R. N. O sertão virou rio e o rio virou sertão: um cineasta alemão e o Cinema Novo brasileiro. Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Ciênc. hum. [online]. 2018, vol.13, n.1, pp.175-185. ISSN 1981-8122. [viewed 23 November 2018]. DOI: 10.1590/1981.81222018000100010. Available from: http://ref.scielo.org/sqjy4b 

COSTA, G. V. Estela Campos e os momentos iniciais do abstracionismo no Pará (1957-1959): hipóteses sobre invisibilidades na história da arte. Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Ciênc. hum. [online]. 2018, vol.13, n.3, pp.699-717. ISSN 1981-8122. [viewed 26 November 2018]. DOI: 10.1590/1981.81222018000300012. Available from: http://ref.scielo.org/n2bkn9 

XIMENES, C. L. M. and COELHO, A. W. O botânico João Barbosa Rodrigues no vale do Amazonas: explorando o rio Capim (1874-1875). Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Ciênc. hum. [online]. 2018, vol.13, n.3, pp.663-680. ISSN 1981-8122. [viewed 26 November 2018]. DOI: 10.1590/1981.81222018000300010. Available from: http://ref.scielo.org/fjkmjw

Link externo

Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas – BGOELDI: www.scielo.br/bgoeldi

Línguas indígenas da Amazônia: www.linguistica.museu-goeldi.br

Boletim: www.editora.museu-goeldi.br/humanas

Boletim no Issuu: www.issuu.com/bgoeldi_ch

Facebook: www.facebook.com/boletimgoeldiCH

Sobre Hein van der Voort

Hein van der Voort

Hein van der Voort

Doutor em Linguistica pela Universidade de Leiden. Atualmente é pesquisador titular do Museu Paraense Emílio Goeldi. Tem experiência na área de Linguística, com ênfase em Teoria e Análise Linguística, atuando presentemente nos seguintes temas: línguas indígenas do Brasil, descrição e comparação linguística, documentação linguística e etno-histórica. E-mail: hvoort@museu-goeldi.br

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

BELTRÃO, J. F. and LEÃO, S. S. O papel do Boletim de Humanas do Museu Paraense Emílio Goeldi na qualificação acadêmica contínua [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2018 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2018/11/26/o-papel-do-boletim-de-humanas-do-museu-parenese-emilio-goeldi-na-qualificacao-academica-continua/

 

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