O direito de participar (ou não) na infância: estratégias e poderes

Karla J. R. de Mendonça, Doutoranda em Sociologia pela Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, PB, Brasil.

Flávia Ferreira Pires, Professora na Pós-Graduação em Sociologia e Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, PB, Brasil.

O artigo “A gente vinha porque queria e não porque era pressionado”: crianças e direitos de participação” é um dos resultados da dissertação de mestrado em sociologia (MENDONÇA, 2018) a respeito de como as crianças aprendiam e experienciavam a prática de tocar instrumentos de percussão no grupo Tambores do Tempo, na Escola Viva Olho do Tempo (EVOT), bairro de Gramame, região periférica de João Pessoa-PB. Foi proposto um diálogo entre os estudos sociológicos e antropológicos das infâncias/crianças com os dados empíricos emergidos com as crianças na instituição. A pesquisa de campo caminhou por meio da observação participante por parte de uma das autoras, no engajamento das/com as experiências e práticas das crianças, em um empreendimento etnográfico envolvido de modo imaginativo e reflexivo no que pôde ser sentido no campo.

Entre o imprevisível, as crianças em Gramame contam caminhar, correr e pedalar de casa para duas instituições de segunda a sexta: a escola regular e a EVOT. A instituição (OSCIP-C.H.P. Escola Viva Olho do Tempo) atende uma média de 120 crianças a partir de 6 anos, na qual se encontram frequentando efetivamente jovens de até 18 anos no momento desta pesquisa. À luz do ECA e da Lei da Primeira Infância, analisamos como as crianças entendem e vivenciam os direitos de “organização e participação” (BRASIL, 1990, art. 53, §IV) nas atividades educacionais da Escola Viva Olho do Tempo e fazem (re)nascer oportunidades de politicamente aprender, dialogar, intervir e transformar as relações de acordo com suas intenções e produções. Entende-se que esses espaços-tempos são dinâmicos e que, apesar da estrutura adultocêntrica, as crianças procuram resistir e reinventar seus lugares no cotidiano em experiências que revelam a alteridade de seus movimentos, aprendizagens e emoções que (se) transformam o/no tecido social, renovando-o no diálogo entre o passado e o presente.

O ECA enfatiza na Lei 13.257 (art. 4, inciso 2) que as políticas públicas devem “incluir a participação da criança na definição das ações que lhe digam respeito, em conformidade com suas características etárias e de desenvolvimento” (BRASIL, 2016), porém ao se pensar em espaços cotidianos, discorda-se que as idades são classificadoras de como as crianças podem participar nas diferentes instâncias sociais. De acordo com as crianças, a multiplicidade de fazeres (as muitas coisas) e direitos (educação e lazer) que as atrai a esse cotidiano na Escola Viva Olho do Tempo, o que segundo elas, acontece de modo relativamente autônomo. Em um diálogo entre o ensino formal e informal, as crianças entendem que se fazer presente nesse espaço movimenta e transforma a rotina em práticas que as interessam, além de possibilitar o convívio intrageracional em momentos de lazer. Desse modo, o estudo propõe-se a colaborar com a discussão a respeito de como na circularidade entre os territórios por parte das crianças, os caminhos tomados para acessá-los e como os modos de participação neles são emergidos, ao não se revelarem fixos e homogêneos, anunciam como se desenvolvem o desprendimento entre os envolvidos nos contratos participativos, tanto da criança quanto do adulto.

Em ações, mesmo as mais tímidas, as crianças demonstraram desconstruir em seus fazeres e, claro, na especificidade de seus saberes, a noção dos direitos na infância a partir dos adultos. Compreender nas resistências das crianças e em seus envolvimentos no tecido social, como processos complexos, criativos, sensitivos e dinâmicos, traz a percepção de quais caminhos elas percorrem nas aprendizagens dos acessos e limites de suas participações enquanto sujeitos de direitos. Como para a criança, essa caminhada flui, no ato presente da experiência, pode nos fazer indagar e continuar a investigar como na infância florescem ações que (re)criam tentativas de se traçarem caminhos possivelmente democráticos.

Referências

ALDERSON, P. Os efeitos dos direitos de participação na metodologia de investigação. In: CHRISTENSEN, P. and JAMES, A. (org.). Investigações com crianças: perspectivas e práticas. Porto: Escola Superior de Educação de Paula Frassinetti, 2005. pp. 261-280.

BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei 8.069/90, de 13 de julho de 1990. Brasília, DF: Governo Federal, 1990. Available from: https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/todas-as-noticias/2019/maio/governo-federal-lanca-nova-edicao-do-estatuto-da-crianca-e-do-adolescente-eca/ECA2019digital.pdf. Acesso em: 04 abr. 2020.

BRASIL. Lei da Primeira Infância. Lei nº 13.257, de 08 de março de 2016. Brasília, DF: Governo Federal, 2016. Available from: https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/todas-as-noticias/2019/maio/governo-federal-lanca-nova-edicao-do-estatuto-da-crianca-e-do-adolescente-eca/ECA2019digital.pdf. Acesso em: 04 abr. 2020.

CASTRO, L. R. O futuro da infância e outros escritos. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2013.

MENDONÇA, K. J. R.  No tempo dos tambores: os saberes ritmados pela infância na Escola Viva Olho do Tempo. 2018. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2018.

MENDONÇA, K. J. R. et al. Entre o rural e o urbano: os caminhos percorridos pelas crianças em um bairro periférico de João pessoa (PB). Temáticas, Campinas, vol. 26, no. 51, pp. 21-52, 2018.

SILVA, A. L. Pelas beiradas: duas décadas do ECA em Catingueira – PB. 2013. Dissertação (Mestrado em Antropologia) – Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2013.

Para ler os artigos, acesse

MENDONCA, K. J. R. et al. “A gente vinha porque queria e não porque era pressionado”: crianças e direitos de participação. Educ. Pesqui. [online]. 2020, vol. 46, e237794. ISSN: 1678-4634 [viewed 21 January 2021]. https://doi.org/10.1590/s1678-4634202046237794. Available from: http://ref.scielo.org/rnwkn4

Link Externo

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Como citar este post [ISO 690/2010]:

MENDONÇA, K. J. R. and PIRES, F. P. O direito de participar (ou não) na infância: estratégias e poderes [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2021 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2021/03/09/o-direito-de-participar-ou-nao-na-infancia-estrategias-e-poderes/

 

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