As ações afirmativas descolonizam a educação e reeducam o Brasil

Nilma Lino Gomes, Professora titular emérita da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil.

Logo Educação & Sociedade Revista de Ciência da EducaçãoEducação & Sociedade (vol. 42), apresenta na sessão especial Ações afirmativas de promoção da igualdade racial na educação: lutas, conquistas e desafios! textos que abordam análises sobre diferentes experiências de implementação das políticas de ações afirmativas voltadas para negros, quilombolas e indígenas em diferentes lugares do Brasil. A Educação Básica e o Ensino Superior são os focos centrais das reflexões teóricas, as quais revelam níveis diferenciados de enraizamento acadêmico, pedagógico, social e político das propostas em curso. As cotas, consideradas como uma das modalidades mais radicais das políticas de ações afirmativas, ao serem implementadas, têm possibilitado uma mudança significativa na garantia do direito à educação aos sujeitos dos coletivos sociais diversos tratados historicamente como desiguais. Além da educação, a administração pública federal e estadual também têm sido impactadas pela presença desses sujeitos diversos devido a adoção das cotas para negros nos concursos públicos.

Os autores e autoras dos artigos são docentes da educação básica e superior, alguns com atuação na graduação e pós-graduação. Apresentam estudos e reflexões teóricas individualmente ou escritos em parceria com colegas e orientandos. São estudiosos do tema que dialogam com a realidade brasileira e com as transformações, tensões e avanços advindos da implementação das ações afirmativas. Estas, só se tornaram realidade política após um longo processo de denúncia do racismo pelo Movimento Negro que atravessou todo o século XX. Este movimento social é o principal protagonista político da pressão social exercida sobre o Estado obrigando-o a sair do lugar de neutralidade estatal diante do racismo e encarando a urgência de implementação de políticas e práticas concretas de superação desse perverso fenômeno.

Foto em preto e branco. Grupo de pessoas com o punho erguido. No centro e destacada uma pessoa com cabelo afro.

Imagem: Unsplash

Essa situação foi acelerada após a III Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas, realizada em setembro de 2001, em Durban, na África do Sul, a qual contou com mais de 16 mil participantes de 173 países. O Brasil esteve presente e ratificou, junto com outros países da Conferência, a Declaração e o Plano de Ação de Durban. Essa decisão do governo brasileiro, à época, implicou no seu compromisso com a implementação das ações afirmativas na luta contra o racismo e a desigualdade racial. Importante destacar que o compromisso do Estado brasileiro não foi apenas decorrente de um reconhecimento público internacional. Ele foi resultado da pressão do Movimento Negro, representado por militantes de várias entidades e estados, na Conferência de Durban, que cobraram do Estado brasileiro uma posição contrária ao racismo brasileiro. Vale lembrar que, em 2001, o IPEA publicou uma pesquisa que expressava o peso da desigualdade racial sobre as condições de vida da população brasileira na década de 90. O quadro alarmante da desigualdade racial na educação foi um dos destaques dessa investigação, corroborando a luta do Movimento Negro por uma educação antirracista e por ações afirmativas.

Esse contexto internacional impactou o nacional. De 2003 ao início de 2016 o Brasil vivenciou, pela primeira vez, as ações afirmativas como uma realidade. A ascensão de um partido de esquerda ao poder executivo federal, em 2003, comprometido com a luta em prol da igualdade, pela afirmação dos direitos e pelo diálogo com os movimentos sociais emancipatórios, possibilitou a concretização das ações afirmativas como políticas de promoção da igualdade racial, em especial, na educação. Políticas de Estado. No atual contexto de democracia em risco instaurado no país desde o impeachment da presidente Dilma Rousseff, em 2016, à ascensão da extrema direita ao poder em 2018 essas políticas têm sofrido uma série de ataques, exigindo que lutemos pela sua continuidade. O momento hostil pelo qual passa a sociedade brasileira não pode nublar as experiências e práticas emancipatórias de ações afirmativas existentes. É importante, portanto, socializá-las à luz de análises teóricas e críticas, metodologias diversas e por meio de um debate acadêmico que considere e valorize as experiências sociais dos sujeitos das ações afirmativas.

Essa trajetória complexa, seus impactos em diferentes realidades brasileiras, limites e desafios é expressa nos diferentes artigos da Sessão Especial. Importante destacar que o enfoque sobre a produção teórica e acadêmica brasileira atual expressa algo muito importante: o Brasil é o país que realizou uma experiência singular de ações afirmativas voltada para negros e negras, expandindo-a para outros segmentos sociais e étnico-raciais que vivem uma situação histórica de desigualdades. A existência da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), de 2003 ao início de 2016, como o ministério responsável por desenvolver políticas de ações afirmativas nas mais diversas áreas e de forma transversal junto aos outros ministérios, pode ser considerada como inédita no mundo. Essa riqueza, por si só, justifica termos uma ampla produção teórica brasileira sobre o tema, a qual revela um processo intenso de lutas, conquistas e desafios.

Convido você caro leitor a assistir ao vídeo que segue onde apresento outras questões sobre a trajetória das ações afirmativas, bem como a revisão da Lei n.o 12.711/12 prevista para 2022.

Leia mais

GOMES, N.L. O movimento negro educador: saberes construídos nas lutas por emancipação. Petrópolis: Vozes, 2017.

INESC Instituto de Estudos Socioeconômicos. Um país sufocado – Balanço do Orçamento Geral da União 2020. 2021 [viewed 17 January 2022]. Available from: https://www.inesc.org.br/umpaissufocado/

Instituto de Inclusão no Ensino Superior e na Pesquisa. 2021 [viewed 17 January 2022]. Available from: https://inctinclusao.com.br/

SANTOS, A.P, CAMILLOTO, B. and DIAS, H.G. Heteroidentificação na UFOP: o Controle Social Impulsionando o Aperfeiçoamento da Política Pública. Revista da ABPN [online]. 2019, vol. 11, no. 29, pp. 15-40. ISSN: 2177-2770 [viewed 30 November 2021].  Available from: http://abpnrevista.org.br/revista/index.php/revistaabpn1/article/view/749

SILVÉRIO, V.R. Ação afirmativa e o combate ao racismo institucional no Brasil. Cadernos de Pesquisa [online]. 2002, no. 117, pp. 219-246. ISSN: 1980-5314 [viewed 30 November 2021]. https://doi.org/10.1590/S0100-15742002000300012. Available from: https://www.scielo.br/j/cp/a/RkKqjbycXDYS93kh8bNdLLs/abstract/?lang=pt

Para ler os artigos, acesse

Educação e Sociedade. 2021, vol. 42. Available from: Ações afirmativas de promoção da igualdade racial na educação: lutas, conquistas e desafios!

GOMES, N.L., SILVA, P.V.B. and BRITO, J.E. Ações afirmativas de promoção da igualdade racial na educação: lutas, conquistas e desafios. Educação & Sociedade [online]. 2021, vol. 42, e258226, ISSN: 1678-4626 [viewed 13 December 2021]. https://doi.org/10.1590/ES.258226. Available from: https://www.scielo.br/j/es/a/3PyCNZ5FhDNjjchnPBGKhJw/abstract/?lang=pt#

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Como citar este post [ISO 690/2010]:

GOMES, N.L. As ações afirmativas descolonizam a educação e reeducam o Brasil [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2022 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2022/01/19/as-acoes-afirmativas-descolonizam-a-educacao-e-reeducam-o-brasil/

 

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