Vera Lucia Amaral Ferlini, Professora, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP, Brasil.
A mata fechada que recobre, ainda, grande faixa da Baixada Santista, esconde os vestígios das antigas ocupações da colonização portuguesa e de seus engenhos pioneiros. A primeira experiência açucareira sistemática no Brasil, no litoral vicentino, contou com cabedais flamengos, italianos e com uso de mão de obra escrava. Em cerca de 40 anos, porém, a produção declinou, ultrapassada pelos grandes negócios do açúcar no Nordeste. Restou uma economia quase anônima, cujo perfil das propriedades, dos proprietários e dos produtos é difícil de reconstituir.
A partir da análise dos estudos sobre a propriedade da terra no Brasil, da historiografia sobre São Paulo Colonial e a implantação desse primeiro núcleo açucareiro, o artigo “Fazendas e Engenhos do Litoral Vicentino: traços de uma economia esquecida (séculos XVI-XVIII)”, publicado no periódico História (São Paulo, vol. 39), apresenta resultados de uma pesquisa em curso para identificar fazendas e engenhos, do litoral vicentino, para a construção de um atlas digital. O estudo é desenvolvido por uma equipe do Grupo Civilizações do Açúcar da Cátedra Jaime Cortesão da FFLCH/USP, formada por alunos de iniciação científica de História e de Geografia, sob a supervisão da pesquisadora Vera Lucia Amaral Ferlini e com a colaboração de Tathianni Cristini da Silva.
A pesquisa surgiu vinculada a atividades do Monumento Nacional Ruínas Engenho São Jorge dos Erasmos, da Universidade de São Paulo, a mais antiga evidência física preservada da colonização portuguesa no Brasil. Em uma visita técnica ao Sítio Quatinga, Vera Ferlini, diretora do órgão, entre 2010 e 2018, constatou a existência, no meio da Mata, na área continental de Santos, de ruínas que se acreditava serem de um engenho, com grossas colunas à base de conchas, pedras e óleo de baleia, com depósito sob o pavimento de assoalho e acesso ao riacho. A historiadora considerou, também a possibilidade de ser uma casa de farinhas: pois a investigação sobre as propriedades da Companhias de Jesus na área, indicaram que no século XVIII, os jesuítas haviam construído um engenho e três casas de farinha de mandioca, nessas propriedades.
Em 2018, essa fase da economia litorânea levou à elaboração de um projeto, mais ambicioso, para resgatar o perfil fundiário e produtivo da Baixada, no período colonial. Frente à escassez de documentação cartorial, a pesquisa tomou por base a documentação da Fazenda Geral dos Jesuítas, depositada na Procuradoria da Fazenda Nacional de São Paulo (Fazenda Cubatão: histórico dominial documental) no qual tem referências às sesmarias que foram compondo ao longo de mais de dois séculos essa grande propriedade jesuítica, sequestrada pela Coroa quando da expulsão dos inacianos em 1759. A partir da identificação dessas propriedades e seus proprietários, os pesquisadores rastrearam as doações originais, heranças e disputas, em outras bases documentais (Biblioteca Nacional, Arquivo do Estado de São Paulo, Registro de Sesmarias. Foram organizadas fichas individuais e planilhas gerais, iniciando o banco de dados que dará suporte ao Atlas Digital Georreferenciado.
O artigo dialoga com a historiografia, em duas vertentes, em primeiro, a da questão fundiária e, em segundo, a produção sobre São Paulo Colonial. A ocupação da terra e a problemática agrária constituem elementos centrais de nossa história e da realidade brasileira, cristalizado desde as primeiras ocupações. Indicando como a produção acadêmica acompanhou o trajeto da interiorização do território, priorizando o bandeirismo, os caminhos, as fronteiras e a mineração, o estudo também destaca as recentes pesquisas que retomam a dinâmica econômica do litoral paulista.
Essa reflexão fundamenta a investigação, que já identificou 69 proprietários e 85 propriedades, principalmente nas áreas de Cubatão, Santos, São Vicente, Guarujá e Bertioga. Dentre as requisições de terras, pode-se distinguir alguns tipos de solicitantes: Cavaleiros Fidalgos, Membros da Burocracia Local, Sertanistas, Artesãos, Comerciantes, Lavradores. Cavaleiros Fidalgos, Membro da Burocracia Local e Sertanistas tinham na aquisição de grandes lotes, o elemento de enobrecimento de ascensão social. Espera-se, na continuidade da pesquisa, oferecer, além de importantes materiais para novas investigações, esboçar o perfil econômico da região, no período colonial, e sua trajetória de predominância de produção açucareira, para o domínio dos fluxos comerciais da Capitania.
Assista ao vídeo da professora Vera Lucia Amaral Ferlini ampliando a discussão sobre a economia em torno da Mata Atlântica.
Referências
ARRUDA, J. J. A. A colônia sertanista. São Paulo, (no prelo).
FERLINI, V. L. A. Açúcar e colonização. São Paulo: Alameda, 2010.
FERLINI, V. L. A. Sugar and the formation of colonial Brazil. Oxford Research Encyclopedia of Latin American History, 2019.
MICHELE, M. V. São Paulo: diversificação agrícola, consolidação interna e integração no mercado atlântico 1765-1821. 320 f. 2018. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.
OLIVEIRA, G. L. A todo pano: contribuição para o estudo do processo de consolidação do porto de Santos como via marítima da capitania de São Paulo (1788-1822). 266 f. 2016. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016.
Para ler o artigo, acesse
FERLINI, V. L. A. Fazendas e engenhos do litoral vicentino: traços de uma economia esquecida (séculos XVI-XVIII). História [online]. 2020, vol. 39, e2020021. ISSN: 1980-4369 [viewed 25 November 2020]. https://doi.org/10.1590/1980-4369e2020021. Available from: http://ref.scielo.org/yf8vkj
Links externos
Cátedra James Cortesão – Eventos: http://cjc.fflch.usp.br/
História (São Paulo) – HIS: www.scielo.br/his
Ruínas engenhos São Jorge dos Erasmos: http://www.engenho.prceu.usp.br/
Universidade de São Paulo: http://usp.br
Sobre o autor
Vera Lucia Amaral Ferlini é doutora em História Econômica e professora titular em História Ibérica. É presidente da Comissão Gestora da Cátedra Jaime Cortesão (FFLCH/USP/Instituto Camões). Foi diretora do Monumento Nacional Ruínas Engenho São Jorge dos Erasmos da Universidade de São Paulo de 2010 a 2018. Professora sênior do Departamento de História e do Programa de Pós-graduação em História Econômica da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, atua nas áreas de História Ibérica e História do Brasil Colônia, estudando açúcar, escravismo, imigração, estrutura agrária e núcleos coloniais. É pesquisadora do CNPq nível 1B.
E-mail: veferlin@usp.br (http://lattes.cnpq.br/9661441560819837)
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