Os museus a serviço da sociedade: conservação e documentação aos olhos da comunidade

Jimena Felipe Beltrão, Jornalista, Ph.D. em Ciências Sociais (University of Leicester, Reino Unido), editora científica do Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, PA, Brasil

Silvia de Souza Leão, Jornalista, mestranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Linguagens e Cultura da Universidade da Amazônia (Unama), Belém, PA, Brasil

De elemento gerador de cultura científica a produtor cultural, o Museu transcende a sua origem de representante da pesquisa e da história natural para se projetar como entidade política responsável pela salvaguarda de informação amazônica de caráter material e imaterial ao viver no imaginário nacional como panteão de conhecimento e agente de preservação da vida na região.

Para Vânia Dolores Estevam de Oliveira, da Universidade Federal de Goiás, autora do artigo “A carnavalização do museu e as peripécias de Mamãe: considerações em torno de objetos museológicos, de performances culturais e de espaço urbano”, “O museu não deve ser visto como uma velha gaveta de coisas esquecidas, sob pena de executar um trabalho apenas para realização e deleite dos poucos profissionais” (OLIVEIRA, 2018, p. 438). Por isso, em seu trabalho, a autora defende que os objetos museológicos não devem ficar apenas nas reservas técnicas, longe do olhar e do conhecimento do público. Assim, como acontece em Maceió, devem ser zelosamente cuidados, mas a partir de experiências exitosas, devem fazer parte da interação dentro de um museu, dando “[…] continuidade de sua história, mesmo após sua musealização, pois, afinal, inseparavelmente, objetos fazem parte da vida social” (OLIVEIRA, 2018, p. 437).

Já para Clóvis Britto e Roberto Fernandes dos Santos Júnior, autores de resenha sobre o livro de Hughes de Varine, “L’écomusée singulier et pluriel, : un témoignage sur cinquante ans de muséologie communautaire dans le monde”,  “Apesar de receberem tratamento técnico documental e de conservação preventiva, ou corretiva (restauro), quando necessário, esses objetos vivem enclausurados e longe dos olhos e do contato com a sociedade, em total desconexão com a existência que tiveram antes de se tornarem acervos museológicos e com o ambiente social que os cercam e abrigam” (OLIVEIRA, 2018, p. 439).

Os autores evidenciam que o pensamento de Hughes de Varine em torno dos museus procura recuperar aspectos significativos da história da disciplina e visualizar as reverberações de seu pensamento em discussões teóricas e em projetos de intervenção. “Os discursos e as atividades de Hugues de Varine endossam a importância de seu papel, especialmente por integrar momentos cruciais na formulação de outra forma de pensar o campo dos museus, por isso torna-se um dos importantes ‘guardiões da memória’ sobre diferentes processos de Museologia Comunitária […]” explicam Britto e Santos Júnior (2018).

Pesquisadores como Hugues de Varine, francês, nascido em 1935, formado em história, com pós-graduação na mesma área pergunta: “qual o futuro do Ecomuseu?”. Segundo o estudioso, museus comunitários, dentro de “[…] contextos políticos e econômicos, das tensões contemporâneas em torno de pertencimento, das mudanças no entendimento de coleções, de patrimonialização e de musealização […]” (BRITTO; SANTOS JÚNIOR, 2018, p. 468) são alguns dos riscos enfrentados por esses espaços.

Nesse sentido, Vânia de Oliveira argumenta ainda pelo envolvimento das ações museológicas com o seu entorno e afirma que “na contemporaneidade, as performances museais enfrentam cada vez mais o desafio de, primeiramente, envolver-se com a realidade urbana que as circundam, para depois provocar interesse, visto que a cena urbana se tornou um espaço espetacularizado em que todas as opções disputam o olhar e a participação do público. As musas que coabitam os museus, com toda sua beleza e saber, continuam a não ser um atrativo suficiente” (OLIVEIRA, 2018, p. 434).

A autora reflete em seu artigo sobre os desafios em relação a conservação e a documentação de um museu no centro de Maceió: “Uma dúvida hamletiana a que se submete todo objeto museal: passar o resto de sua existência material na reserva técnica ou, se tiver a sorte de ser selecionado para participar de narrativas museais, ficar no ir e vir entre a reserva técnica e as exposições de longa duração, temporárias e itinerantes. O intento aqui é também lançar um olhar crítico à participação dos museus e de seus objetos no espaço urbano” (OLIVEIRA, 2018, p. 431).

Britto e Santos Júnior explicam que Hugues de Varine não admite mais que museus permaneçam alheios ao seu entorno sociocultural, aos problemas vividos no dia a dia urbano, aos acontecimentos que afetam a vida da comunidade, às reivindicações dos diversos segmentos sociais. E Vânia de Oliveira explica: “Quando persistem […] esses espaços permanecem desconhecidos ou invisíveis no local que ocupam, mesmo que possuam características monumentais, recebendo visitação muito baixa como consequência da invisibilidade. Se permanecem fechados durante algum tempo, em decorrência de movimentos grevistas ou necessidade de realização de obras de restauro e de manutenção, não fazem falta e sua ausência é sequer notada” (OLIVEIRA, 2018, p. 434).

Conforme registrou na apresentação de sua obra “As raízes do futuro: o patrimônio a serviço do desenvolvimento local”: Varine (2012, p. 7) diz que viver o Museu é “[…] apresentar uma experiência pessoal, única e subjetiva, que é também um testemunho.” Britto e Santos Jr. lembram que os “[…] debates promovidos pelos movimentos sociais na segunda metade do século XX, especialmente relacionados às questões ambientais e ao papel transformador da educação, impactaram diversos campos do conhecimento, que problematizaram paradigmas vigentes. Sublinha os movimentos de direitos civis, as pesquisas sobre identidades nacionais e locais, a emergência do nacionalismo nos países recém-libertos do colonialismo e a influência de pensadores e de militantes, que revolucionaram o mundo dos museus com suas ideias” (BRITTO; SANTOS JÚNIOR, 2018, p. 467).

Ora se a cultura científica é tanto mais importante quanto vai ao encontro significado na vida em sociedade. O conhecimento, a pesquisa que o produz, precisa estar envolvido no sentido social que a Ciência, desde o século das Luzes, representa. Ainda que seja detentor dos símbolos de poder, o conhecimento vem sendo apropriado tanto por agentes anteriormente excluídos do processo de produção, como é demandado para respaldar decisões e em sua função de baliza para a definição de políticas públicas. Nos Museus, guardiões de objetos da cultura material da humanidade, uma relação aproximada e de canal de comunicação de significados é, hoje, condição de sobrevivência institucional.  Assista a seguir o vídeo de Vânia de Oliveira e sua experiência museológica.

Referências

VARINE, H. As raízes do futuro: o patrimônio a serviço do desenvolvimento local. Porto Alegre: Medianiz, 2012.

Para ler os artigos, acesse

BRITTO, C. C. and SANTOS JUNIOR, R. F. Hugues de Varine, singular e plural: memórias sobre museologias comunitárias. Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Ciênc. hum. [online]. 2018, vol.13, n.2, pp.465-469. ISSN 1981-8122. [viewed 30 November 2018]. DOI: 10.1590/1981.81222018000200012. Available from: http://ref.scielo.org/w8qqx4

OLIVEIRA, V. D. E. A carnavalização do museu e as peripécias de Mamãe: considerações em torno de objetos museológicos, de performances culturais e de espaço urbano. Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Ciênc. hum. [online]. 2018, vol.13, n.2, pp.429-440. ISSN 1981-8122. [viewed 30 November 2018]. DOI: 10.1590/1981.81222018000200009. Available from: http://ref.scielo.org/k9s3kj

Links externos

Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas – BGOELDI: www.scielo.br/bgoeldi

Boletim: www.editora.museu-goeldi.br/humanas

Boletim no Issuu: www.issuu.com/bgoeldi_ch

Facebook: www.facebook.com/boletimgoeldiCH

Sobre Vânia Dolores Estevam de Oliveira

Vânia Dolores Estevam de Oliveira

Vânia Dolores Estevam de Oliveira

Doutora em Memória Social pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e docente do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Performances Culturais. Tem como temas de interesse de pesquisa: performances culturais, museologia, cultura popular e documentação museológica. E-mail: vania_estevam@hotmail.com

 

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

BELTRÃO, J. F. and LEÃO, S. S. Os museus a serviço da sociedade: conservação e documentação aos olhos da comunidade [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2018 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2018/11/30/os-museus-a-servico-da-sociedade-conservacao-e-documentacao-aos-olhos-da-comunidade/

 

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