Violência obstétrica e a sutileza da relação humana entre o médico e a paciente

Maristela Muller Sens, Médica ginecologista e obstetra do Hospital Universitário Polydoro Ernani de São Thiago (HU-UFSC), Florianópolis, SC, Brasil

Ana Maria Nunes de Faria Stamm, Professora no Departamento de Clínica Médica, Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, SC, Brasil

O artigo “Percepção dos médicos sobre a violência obstétrica na sutil dimensão da relação humana e médico-paciente”, publicado no periódico Interface – Comunicação, Saúde, Educação (v. 23), discute a interação no encontro entre o médico e a paciente, os limites da autonomia da mulher na perspectiva do profissional, os desafios da relação quando há divergência de opinião na tomada de decisão, bem como, elabora reflexões sobre a violência à qual o profissional se percebe submetido durante a assistência.

Este representa um dos dois artigos que resultaram da dissertação de mestrado intitulada: “Violência obstétrica e/ou institucional: a percepção dos médicos de uma maternidade humanizada” (SENS, 2017), pesquisa com base epistemológica qualitativa, realizada por meio de entrevistas com médicos obstetras e médicos residentes em ginecologia e obstetrícia, que atuam em uma maternidade humanizada de um hospital universitário, público e de ensino. Os dados foram analisados pela técnica de análise de conteúdo e categorizados por aproximação temática.

No contexto da assistência ao parto, se estabelece uma relação que transcende os aspectos objetivos das rotinas institucionais ou da prática assistencial. Expõe um espaço potencialmente permeado por conflitos (DESLANDES, 2006), amparado por um modelo de atenção tecnicista, hierarquizado e reforçado institucionalmente pelo domínio do médico. A relação entre profissional e paciente é assimétrica e hierárquica, por envolver poderes distintos (AGUIAR, 2010), com uma tendência a desvalorização da relação intersubjetiva que ali se estabelece (SANTOS; SOUZA, 2005).

A violência obstétrica na dimensão da relação humana e médico-paciente é sutil e subjetiva, englobando diferentes aspectos do ato em saúde, do encontro entre agentes e de possibilidades de expressão. Em se tratando de autonomia e tomada de decisão compartilhada, as autoras descreveram que, em teoria, os médicos acreditam que toda mulher tem direito de exercer sua escolha, mas, quando há divergência de opinião, a autoridade médica geralmente deve ser respeitada. Por outro lado, os profissionais se percebem como vítimas de violência durante seu exercício profissional, seja em relação à estrutura institucional e precarização do trabalho, seja enquanto “vítima das vítimas”: nas ameaças e desrespeito por parte da usuária, ou, ainda, na divergência em relação à conduta e seu desfecho, em que a ameaça gera a possibilidade de judicialização, como forma de resolver a crise na relação estabelecida.

Parir e nascer são fenômenos fundamentais, mas, definitivamente, não são processos meramente fisiológicos (SENA, 2016). Nesse contexto, o encontro humano e a relação médico-paciente são processos especiais de interação, que envolve dimensões técnicas, humanísticas, éticas e estéticas.

Referências

AGUIAR, J. M. Violência institucional em maternidades públicas: hostilidade ao invés de acolhimento como uma questão de gênero. 203 f. 2010. Tese (Programa de Pós-Graduação em Medicina Preventiva) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.

DESLANDES, S. F. Humanização dos cuidados em saúde: conceitos, dilemas e práticas. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2006.

SANTOS, R. C. S. dos; SOUZA, N. F. de. Violência institucional obstétrica no Brasil: revisão sistemática. Estação Científica (UNIFAP), v. 5, n. 1, p. 57-68, 2015. ISSN: 2179-1902 [viewed 19 august 2019]. Available from: https://periodicos.unifap.br/index.php/estacao/article/view/1592/rafaelv5n1.pdf

SENA, L. M. Ameaçada e sem voz, como num campo de concentração: a medicalização do parto como porta e palco para a violência obstétrica. 277 f. 2016. Tese (Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2016.

SENS, M. M. Violência obstétrica e/ou institucional: a percepção dos médicos de uma maternidade humanizada. 91 f. 2017. Dissertação (Programa de Pós-Graduação em Cuidados Intensivos e Paliativos) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2017.

Para ler o artigo, acesse

SENS, M. M. and STAMM, A. M. N. F. Percepção dos médicos sobre a violência obstétrica na sutil dimensão da relação humana e médico-paciente. Interface (Botucatu), v. 23, e180487, 2019. ISSN: 1414-3283 [viewed 19 august 2019]. DOI: 10.1590/interface.180487. Available from: http://ref.scielo.org/m8npq9

Link externo

Interface: Comunicação, Saúde e Educação – ICSE: www.scielo.br/icse

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

SENS, M. M. and STAMM, A. M. N. F. Violência obstétrica e a sutileza da relação humana entre o médico e a paciente [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2019 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2019/08/21/violencia-obstetrica-e-a-sutileza-da-relacao-humana-entre-o-medico-e-a-paciente/

 

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