Nossas capas: relações entre antropologia e arte

Cristiane Miglioranza, jornalista, assistente editorial de Horizontes Antropológicos. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil.

Além de ser conhecida por seu aporte temático, Horizontes Antropológicos tem em suas capas uma característica marcante. Nossos leitores buscam avidamente os entrecruzamentos entre a imagem e a temática escolhidas nos parágrafos finais do texto de apresentação. Também é grande sua interação pelas redes sociais, onde podem comentar, compartilhar e trocar suas impressões com a equipe editorial do periódico e com as/os organizadoras/es.

A confecção das capas é parte de nosso processo editorial. Escolhida pelas/pelos organizadoras/es e aprovada pelos editores, a imagem é uma tradução da temática e também um convite às/aos leitoras/es para que reflitam desde o princípio sobre a proposta do número em questão. O longo e tradicional diálogo entre antropologia e arte foi abordado por Paula Viviane Ramos (UFRGS) no artigo “Arte-antropologia-arte: sobre as capas da revista Horizontes Antropológicos”. A historiadora da arte destaca o diálogo sintético entre tema e imagem nas capas da reviste e ressalta que a arte, como sistema de compreensão e de representação simbólica do mundo, não é reflexo da história e sim agente.

Ramos (2018) salienta que, nos primeiros 50 números do periódico, as reproduções de obras de arte sobressaem-se entre soluções fotográficas e montagens digitais. Ultimamente, esta relação está se modificando. Cada vez mais nossas capas têm trazido fotografias, como se verifica no número 59 – Covid-19. Antropologias de uma pandemia. A imagem escolhida para esta edição não oferece uma conexão tão explícita com a temática abordada. De autoria da fotógrafa Carla Ruas, traz a escultura Eternal Masks is Now, do artista Randy Gilson.  Exposta no museu a céu aberto Randyland, em Pittsburgh, Pensilvânia, Estados Unidos, ela integra uma obra de arte maior, composta por instalações feitas a partir de sucata. Gilson nasceu em Homestead, Pensilvânia. Cedo na vida sofreu com a falta de moradia e pobreza. Em 1982 mudou-se para o Northside de Pittsburgh, onde foi um ativista comunitário, plantando mais de 800 hortas de rua e 50 hortas. Sua jardinagem de guerrilha se estende por terrenos baldios em Manchester, Mexicans War Streets e nos bairros vizinhos. Sugerida pela pesquisadora Ceres Víctora, teve a cessão dos direitos de veiculação para fins educativos gentilmente cedida pelo autor. O artista apenas solicitou que no texto de apresentação fosse incluído o comentário: “We all have something in common”, em alusão à crise mundial que enfrentamos (SEGATA et al, 2021, p. 23).

Desenho coletivo das crianças Xikrin do Bacajá escolhido como imagem de capa para o número 60 – Antropologia da Criança. Acervo pessoal da antropóloga Clarice Cohn.

Como imagem de capa do número 60 – Antropologia da Criança, as organizadoras Clarice Cohn (UFSCar), Fernanda Bittencourt Ribeiro (PUCRS), Fernanda Cruz Rifiotis (UFRGS) e Patrice Schuch (UFRGS) escolheram um desenho de meninos Xikrin do Bacajá realizado na década de 1990 e ofertado à antropóloga Clarice Cohn.  “Este desenho nos fala muito sobre metodologia e sobre os fazeres das crianças. Experimento metodológico do início das pesquisas com crianças indígenas no Brasil, a partir da sugestão de Lux Vidal de levar a campo lápis de cor e de cera e papéis A4, os desenhos se revelaram importante meio de compreensão de como as crianças veem seu mundo e as relações que neles estabelecem”, pontuam as organizadoras (RIFIOTIS et al., 2021, p. 26). Feitos coletivamente, levando a entusiasmados debates sobre temas, cores, formas de desenhar, em um uso muito livre do suporte do papel, foram também realizados a partir de uma organização de atividades e de coletivos feitos pelas crianças. “À antropóloga só restava fornecer o material demandado quando as crianças decidiam dedicar o seu tempo ao desenho – e que foram na época muitas horas diárias, uma atividade frequente e prazerosa”, conta Cohn. Dar os desenhos feitos à pesquisadora foi também uma iniciativa das próprias crianças. “Respeitando o jeito dos não-indígenas de colecionar registros e valorizar o papel, pareceu-lhes o destino ideal, permitindo a montagem de uma verdadeira coleção com motivos diversos”, acrescenta.

No desenho, é possível identificar temas fundamentais aos Xikrin vistos pelos olhos das crianças. “As aldeias circulares, típicas dos povos Jê, como são os Xikrin, são vistas em um plano aéreo. Roberto Da Matta (1976) já havia indicado pelos desenhos de homens adultos apinajé que, mesmo com a vivência à época em uma aldeia feita em formato de rua, como se diz, ou seja, com casas paralelas, a aldeia foi desenhada por eles nesta mesma perspectiva aérea, a partir da única imagem que lhes era possível da aldeia, circular. No desenho das crianças xikrin, tal perspectiva acerca das aldeias não só é permitida como é sobretudo enriquecida pelo avião que as alude, à medida em que este compõe a imagem com as novas tecnologias que fascinam as crianças. Mais que isso, elas povoam todo o desenho com a presença humana. O pátio, lugar das festas mas também tomado cotidianamente pelas crianças brincando, está povoado; assim também, a pista de pouso do avião está sendo usada como campo de futebol e brincadeiras. Relações de parentesco, rituais, brincadeiras das crianças entre si e com as tecnologias não-indígenas estão retratadas neste pequeno excerto comentado do desenho, que se complementa no papel com outra aldeia, com um cubo caracteristicamente aprendido na escola, com motivos diversos. Só temos a agradecer a essas crianças – hoje homens, pais e avôs – o (literal) presente do desenho com toda sua riqueza”, explica.

O vídeo apresenta nossa galeria virtual de capas desde a primeira edição.

Referências

DA MATTA, R. Um mundo dividido: a estrutura social dos índios Apinayé. São Paulo: Editora Vozes, 1976.

RIFIOTIS, F. C., et al. A antropologia e as crianças: da consolidação de um campo de estudos aos seus desdobramentos contemporâneos. Horizontes Antropológicos [online]. 2021, vol.27, no.60, pp. 7-30 [viewed 18 August 2021]. https://doi.org/10.1590/S0104-71832021000200001. Available from: http://ref.scielo.org/w3rdmj

SEGATA, J., et al. Covid-19. Antropologias de uma pandemia. Horizontes Antropológicos [online]. 2021, vol.27 [viewed 18 August 2021]. Available from: http://ref.scielo.org/pt8gc5

Para ler o artigo, acesse

RAMOS, P. Arte – antropologia – arte: sobre as capas da revista Horizontes Antropológicos. Horizontes Antropológicos [online]. 2018, vol.24, no. 50, p.449-482 [viewed 18 August 2021]. https://doi.org/10.1590/s0104-71832018000100014. Available from: http://ref.scielo.org/d9n3t9

Links Externos

Facebook Museu Randyland: https://www.facebook.com/randylandpgh/

Horizontes Antropológicos – HA: https://www.scielo.br/ha/

Museu Randyland: https://randy.land

Paula Viviane Ramos. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/0683223879850775

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

MIGLIORANZA, C. Nossas capas: relações entre antropologia e arte [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2021 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2021/08/23/nossas-capas-relacoes-entre-antropologia-e-arte/

 

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