Bruna Carolina Garcia é Mestra e Doutoranda em Demografia no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas-SP, Brasil.
Glaucia dos Santos Marcondes é Pesquisadora no Núcleo de Estudos de População “Elza Berquó”, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas-SP, Brasil.
A divisão sexual do trabalho, que decorre das relações sociais de sexo, é dividida em dois princípios organizadores: a separação e a hierarquização. A separação estabelece a existência de “trabalhos de homens” e “trabalhos de mulheres”, enquanto a hierarquização determina o trabalho masculino como socialmente mais reconhecido e valorizado do que o feminino (HIRATA; KERGOAT, 2007; KERGOAT, 2009; BIROLI, 2016; SOUSA; GUEDES, 2016).
Há três modelos de divisão sexual do trabalho. Primeiro, um modelo complementar e assimétrico, onde as mulheres ficam responsáveis pelo trabalho doméstico não remunerado e os homens pelo trabalho remunerado fora do domicílio. No modelo de conciliação, as mulheres ingressam no mercado de trabalho, mas continuam responsáveis pelo domicílio, lidando com uma relação conflituosa entre trabalho e família.
Por fim, um modelo de delegação compreende que, a partir do momento que as mulheres têm a necessidade e os meios para fazê-los, elas delegam esse trabalho não remunerado, geralmente a outras mulheres (HIRATA; KERGOAT, 2007). O problema dos modelos de conciliação e delegação é que, apesar de a mulher conquistar espaço na vida pública, ela ainda segue responsável por fazer seu trabalho doméstico ou encontrar alguém que o faça, sem que o homem precise se preocupar em ter uma divisão mais igualitárias das tarefas dentro do domicílio.
Dessa forma, o artigo As desigualdades da reprodução: homens e mulheres no trabalho doméstico não remunerado (Revista Brasileira de Estudos de População, vol 39, 2022), mostra que o trabalho doméstico não remunerado permanece nos moldes de um modelo de divisão sexual do trabalho complementar e assimétrico (modelo tradicional). Mesmo com um aumento na participação dos homens, ainda há uma clara divisão entre tarefas femininas e masculinas. Enquanto os homens se engajam em atividades mais relacionais, como ler, jogar ou brincar, ou tarefas externas ao domicílio, como fazer compras e levar os filhos para a escola ou médico; as mulheres se concentram em atividades de caráter primário, como lavar, passar, cozinhar, dar banho, entre outros.
As mulheres permanecem gastando muito mais tempo nos afazeres domésticos e de cuidados, cerca de 19,9 horas, enquanto os homens gastam cerca de 11 horas. Nota-se um aumento na participação dos homens, mas ainda é reduzida a proporção dos que realizam algum tipo de trabalho doméstico ou de cuidados, permanecendo mais como consumidores do que produtores de trabalho de cuidados (JESUS, 2018).
Os diferenciais por renda na realização de cuidados são expressivos, tanto para homens, quanto para mulheres. Homens e mulheres mais ricos tendem a realizar menos tarefas de cuidados. Isso pode ser devido ao modelo de delegação, deixando esse cuidado a cargo de terceiros, como babás, creches e escolas; ou devido a um adiamento da fecundidade mais comum em casais com renda maior.
Na realização de afazeres domésticos, há uma diferença significativa por renda, com os mais ricos declarando realizar mais afazeres domésticos do que os mais pobres. No entanto, quando olhamos para o tempo médio em horas, não há diferença significativa para os homens nos diferentes estratos de renda.
Por outro lado, as mulheres mais ricas apresentam redução significativas nas horas gastas com afazeres domésticos e cuidados. Enquanto as mulheres mais pobres gastam em média 26,5 horas semanais, as mais ricas gastam 15,6 horas, uma diferença de quase 10 horas! Essa diferença mostra o papel do modelo de delegação para essas mulheres. A partir do momento que elas têm os meios e a necessidade de delegar o trabalho doméstico e de cuidados, elas o fazem para ter tempo de se engajar em outras atividades, em especial o trabalho remunerado (HIRATA; KERGOAT, 2007).
A condição de ocupação e na força de trabalho também mostram diferenças significativas para as mulheres.1 Mulheres desocupadas ou fora da força de trabalho tendem a gastar muito mais horas nos afazeres domésticos e cuidados. É importante destacar que, para a maioria das mulheres fora da força de trabalho, o trabalho doméstico e de cuidados é um obstáculo para ingressar no mercado de trabalho. Ao serem perguntadas dos motivos para não procurarem trabalho, 58,8% listaram como um dos motivos cuidar dos afazeres domésticos, dos filhos ou de outros parentes (IBGE, 2019).
Por fim, o trabalho destaca a faixa dos 25 aos 49 anos como essencial para entender a articulação trabalho-família. A Figura 1 aponta como a realização de cuidados está concentrada nessa faixa, tanto para homens quanto para mulheres. As demandas de um domicílio em formação e expansão conflita diretamente com a participação feminina no mercado de trabalho, com um grande esforço para gerenciar esse conflito.
Figura 1. Taxa de realização de cuidados por idade e sexo – Brasil – 2019
Dessa forma, sem equipamentos públicos de cuidados que auxiliem as mulheres e sem quebrar modelos de divisão sexual do trabalho centrados na responsabilidade feminina pelo trabalho doméstico não remunerado, não avançaremos em mitigar as desigualdades de gênero dentro e fora do domicílio.
Nota
1. Segundo o IBGE, a força de trabalho é constituída pelas pessoas que estão empregadas (ocupadas), ou que estão procurando trabalho (desocupadas). As pessoas fora da força de trabalho são aquelas, apesar de estarem em idade ativa, não estão empregadas e nem procurando trabalho.
Referências
BIROLI, F. Divisão sexual do trabalho e democracia. Dados rev. ciênc. sociais [online]. 2016, vol. 59, no. 3, pp. 719-681 [viewed 11 July 2022]. https://doi.org/10.1590/00115258201690. Available from: https://www.scielo.br/j/dados/a/kw4kSNvYvMYL6fGJ8KkLcQs/?lang=pt
HIRATA, H. and KERGOAT, D. Novas configurações da divisão sexual do trabalho. Cad. Pesqui. [online]. 2007, vol. 37, no. 132, pp. 595–609 [viewed 11 July 2022]. https://doi.org/10.1590/S0100-15742007000300005. Available from: https://www.scielo.br/j/cp/a/cCztcWVvvtWGDvFqRmdsBWQ/?lang=pt
IBGE. Microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua [online]. IBGE. 2019 [viewed 11 July 2022]. Available from: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho/17270-pnad-continua.html?edicao=27762%5C&t=downloads
JESUS, J.C. Trabalho doméstico não remunerado no Brasil: uma análise de produção, consumo e transferência. Tese (Doutorado em Demografia). Belo Horizonte: Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais, 2018.
SOUSA, L.P. and GUEDES, D.R. A desigual divisão sexual do trabalho: um olhar sobre a última década. Estudos Avançados [online]. 2016, vol. 30, no. 87, pp. 123-139 [viewed 11 July 2022]. https://doi.org/10.1590/S0103-40142016.30870008. Available from: https://www.scielo.br/j/ea/a/PPDVW47HsgMgGQQCgYYfWgp/?lang=pt
Links externos
Bruna Carolina Garcia – ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8937-548X
Glaucia dos Santos Marcondes – ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3750-0530
Perfis nas redes sociais da Rebep: Facebook | Twitter | Instagram
Perfils nas redes sociais da institutição dos autores (UNICAMP): Facebook | Twitter | Instagram
Como citar este post [ISO 690/2010]:
Últimos comentários