20 anos depois: pensar com e sem Bourdieu

Elias Evangelista Gomes, Professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil.

Maria da Graça Jacintho Setton, Professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP, Brasil.

Logo do periódico Educação e PesquisaSociólogo, filósofo, autor, criador, intérprete ou sistematizador clássico de um amplo e diversificado leque conceitual, Pierre Bourdieu marcou e segue influenciando diferentes áreas do conhecimento, em especial as Ciências Humanas e Sociais, com suas reflexões e críticas sobre as dinâmicas das sociedades contemporâneas. Lembrando-nos da aproximação dos 20 anos de sua partida, a Educação e Pesquisa, reuniu em uma Seção Temática, intitulada 20 anos depois: pensar com e sem Bourdieu, artigos que debatem as suas obras ou que pensem temas e pesquisas atuais em diálogo com a sua teoria.

Assim, é possível classificar os artigos da Seção Temática em dois vieses, a saber: a) debates sobre a trajetória de Pierre Bourdieu, seus conceitos e sua recepção científica e b) a aplicação de seus conceitos e teorias para análise de fenômenos sociais e educacionais contemporâneos. Além disso, a Seção Temática conta com Por uma história transnacional da sociologia: entrevista com Gisèle Sapiro, realizada por Valente, Ménard, Setton (2022), na qual a pesquisadora francesa discute sobre diferentes leituras e interpretações da obra de Pierre Bourdieu e os fundamentos de história transacional da sociologia.

Uma arte em fundo vinho, a foto de Pierre Bourdieu, um homem de meia idade, caucasiano, cabelo escuro e curto. A foto tem um efeito nas cores vinho e branco. Texto ao lado em cores brancas: 20 anos depois: pensar com e sem Bourdieu. Abaixo o texto "Arte: Comunicação e Mídia FEUSP" e os logos da FEUSP e da USP.

Imagem: Comunicação e Mídia – FEUSP.

Autor, teoria e recepção

Em A reprodução de Bourdieu e Passeron muda a visão do mundo educacional, artigo de Valle (2022), mais de cinquenta anos depois, o clássico livro “A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino” (BOURDIEU; PASSERON, 2013), é reconhecido como uma obra que prossegue contribuindo para o questionamento sobre a democratização e a meritocracia escolar. Além disso, a autora debate sobre a recepção da obra no Brasil e seus reflexos para a pesquisa em educação.

Também analisando o livro “A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino” (BOURDIEU; PASSERON, 2013), Knoblauch e Medeiros (2022), fizeram um estudo em artigos publicados na plataforma Google Acadêmico que se referenciam na obra clássica de Bourdieu e Passeron. As pesquisadoras constataram as leituras, a partir dos conceitos e teorias bourdieusianas, sofreram alterações, ao longo dos últimos anos, indicando uma aplicação multidisciplinar e multimetodológicos para compreender o campo educacional e a escolarização no Brasil.

Trecho 1. Elias Gomes (UNIFAL-MG) e Graça Setton (USP).

Em Pierre Bourdieu, catedrático de sociologia no Collége de France, Oliveira e Silva (2022) rememoram o ambiente intelectual e os sentidos do ingresso do homenageado desta Seção Temática em uma das mais destacadas instituições de ensino e pesquisa em sociologia da França e do mundo. Compreendendo os temas, os objetivos e também as linhas de problematizações e reflexões do professor Pierre Bourdieu, os autores indicam que o conteúdo de ensino, no período estudado, não tratou apenas de uma sociologia geral, mas, sobretudo, uma sociologia bourdieusiana, fundamentada em seus próprios conceitos.

Miraldi (2022), em Limites da teoria dos campos: tensões em sua autonomia relativa, considera que embora Bourdieu tenha sido rigoroso e assertivo na elaboração do conceito de campo, no tocante ao seu funcionamento, o autor não foi preciso na definição sobre as relações estabelecidas entre os campos. O artigo oferece elementos para uma crítica acerca da teoria dos campos de modo que ela possa ser atualizada.

Catani (2022) elabora uma discussão que aproxima conhecimento científico e autoconhecimento em Compreender e compreender-se: o campo educacional num itinerário de leituras de Pierre Bourdieu. A autora aponta possibilidades de trabalho com Bourdieu na história da educação brasileira e na formação de professores.

Trecho 2. Graça Setton (USP) e Afrânio Catani (USP).

Análises sociais contemporâneas

Barreiros (2022), em Sobre a construção do objeto em sociologia: categorias bourdieusianas para compreender os “adeptos da sustentabilidade”, contribui para a reflexão sobre a socialização das elites, cuja reprodução social dos adeptos da sustentabilidade no campo empresarial acontece mediante uma educação gerencial em instituições formativas na área de negócios. Assim, o autor recorre a Pierre Bourdieu para projetar e executar pesquisas sociais, contribuindo para o debate sobre metodologia de pesquisa, economia, escolas de negócios e elites.

Apoiados na teoria dos capitais de Pierre Bourdieu, Setton, Vianna e Neves (2022), em Socialização de habitus: gênero e geração nas elites paulistanas, identificam rupturas individuais e sociais dos sujeitos pesquisados em relação a aspectos sexuais e geracionais. Porém, segue sendo fundamental um senso prático vinculado às posições de status, especialmente, no tocante às expertises, às subjetividades e à origem familiar.

Trecho 3. Graça Setton (USP) e Ione Valle (UFSC).

Alves (2022), em Batalhadores culturais: trajetórias de mobilidade ascendente nos meios populares, identifica que a aquisição do capital escolar e o ingresso na educação superior projetou os sujeitos pesquisados no Recife ao topo de sua fração de classe, contudo, também foi necessário um ajuste de expectativas diante das oportunidades sociais oferecidas. Dessa maneira, a sociologia disposicionalista, por meio de um diálogo entre Bourdieu, Lahire e outros autores, continua fomentando subsídios para compreender as dimensões subjetivas no ensino superior brasileiro.

Sá (2022), em Políticas de democratização do ensino superior e a reprodução de desigualdades sociais: estudo de caso, recupera as discussões sobre a reprodução em Bourdieu e Passeron, constatando que a despeito da ideia de democratização, as persistentes desigualdades promovem uma “política de cotas às avessas”, entregando aos discentes condições sociais próximas àquelas que já têm anteriormente ao ingresso à universidade.

Trecho 4. Elias Gomes (UNIFAL-MG) e Ana Rodrigues (UFBA).

No artigo Para uma teoria do capital esportivo: conversações com Bourdieu e Lahire, os autores Bungenstab, Souza e Garcia (2022) se baseiam na teoria disposicionalista para a compreensão acerca dos nexos entre socialização esportiva e herança familiar, indicando uso promissor da noção de “capital esportivo” para a análise de trajetórias esportivas e da educação física escolar.

Ainda nesta seção temática serão publicados artigos sobre a recepção de Bourdieu na ciência política e a teoria dos campos e suas contribuições para compreender as configurações da área de ensino. Desse modo, as reflexões apresentadas nos artigos evidenciam a atualidade do pensamento de Pierre Bourdieu e sua potencialidade para a leitura das práticas de socialização no mundo contemporâneo.

Trecho 5. Elias Gomes (UNIFAL-MG).

Referências

20 anos depois: pensar com e sem Bourdieu. FEUSP Faculdade de Educação da USP on YouTube. 2022 [viewed 17]. Available from: https://www.youtube.com/watch?v=kwG8LI7Df20&t=2911s

BOURDIEU, P. and PASSERON, J.C. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Petrópolis: Vozes, 2013.

Para ler os artigos, acesse

ALVES, A.R.C Batalhadores culturais: trajetórias de mobilidade ascendente nos meios populares. Educação e Pesquisa [online]. 2022, vol. 48, e254909 [viewed 17 August 2022]. https://doi.org/10.1590/S1678-4634202248254909por. Available from: https://www.scielo.br/j/ep/a/mxdGYWmKnrcxpyVCvvCKPFv/

BARREIROS, B.C. Sobre a construção do objeto em sociologia: categorias bourdieusianas para compreender os “adeptos da sustentabilidade”. Educação e Pesquisa [online]. 2022, vol. 48, e254863 [viewed 17 August 2022]. https://doi.org/10.1590/S1678-4634202248254863. Available from: https://www.scielo.br/j/ep/a/cC6rtv6VHySgC9Gs4JRHb3G/

BUNGENSTAB, G.C., SOUZA, J. and GARCIA, R.P. Para uma teoria do capital esportivo: conversações com Bourdieu e Lahire. Educação e Pesquisa [online]. 2022, vol. 48, e253013 [viewed 17 August 2022]. https://doi.org/10.1590/S1678-4634202248253013por. Available from: https://www.scielo.br/j/ep/a/9d3Sdr3tMMWrn8C5sCvY94j/

CATANI, D.B. Compreender e compreender-se: o campo educacional num itinerário de leituras de Pierre Bourdieu. Educação e Pesquisa [online]. 2022 vol. 48, e254836 [viewed 17 August 2022]. https://doi.org/10.1590/S1678-4634202248245469. Available from: https://www.scielo.br/j/ep/a/K57695MmgmZgsL8fXw5wPJd/

KNOBLAUCH, A. and MEDEIROS, C.C.C. A atualidade de A reprodução de Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron: 50 anos de um legado acadêmico e político. Educação e Pesquisa [online]. 2022 vol. 48, e254836 [viewed 17 August 2022]. https://doi.org/10.1590/S1678-4634202248245469. Available from: https://www.scielo.br/j/ep/a/K57695MmgmZgsL8fXw5wPJd/

MIRALDI, J. Limites da teoria dos campos: tensões em sua autonomia relativa. Educação e Pesquisa [online]. 2022 vol. 48, e254836 [viewed 17 August 2022]. https://doi.org/10.1590/S1678-4634202248254991por. Available from: https://www.scielo.br/j/ep/a/n9SNQcxVLxJc6zLVpqjZx5g/

OLIVEIRA, A. and SILVA, C.F. Pierre Bourdieu, catedrático de sociologia no Collége de France. Educação e Pesquisa [online]. 2022 vol. 48, e254836 [viewed 17 August 2022]. https://doi.org/10.1590/S1678-4634202248253814.  Available from: https://www.scielo.br/j/ep/a/gvz4DPQdRw9XkQFB8CZnkCM/?lang=pt

SÁ, T.A.O. Políticas de democratização do ensino superior e a reprodução de desigualdades sociais: estudo de caso. Educação e Pesquisa [online]. 2022 vol. 48, e254836 [viewed 17 August 2022]. Available from: https://www.scielo.br/j/ep/a/Lnvwcvpkg6LnmZVN8QfH63b/

SETTON, M.G.J., VIANNA, C and NEVES, P.R.C. Socialização de habitus: gênero e geração nas elites paulistanas. Educação e Pesquisa [online]. 2022 vol. 48, e254836 [viewed 17 August 2022]. https://doi.org/10.1590/S1678-4634202248254257por. Available from: https://www.scielo.br/j/ep/a/nRQmrDTktFMdrLpG99qrcnM/?lang=pt

VALENTE, G., MÉNARD, C. and SETTON, M.G.J. Por uma história transnacional da sociologia: entrevista com Gisèle Sapiro. Educação e Pesquisa [online]. 2022 vol. 48, e254836 [viewed 17 August 2022]. https://doi.org/10.1590/S1678-4634202248002001. Available from: https://www.scielo.br/j/ep/a/YQPjSzFb3F8FPCKSy9Hb4zP/?lang=pt

VALLE, I.R. A reprodução de Bourdieu e Passeron muda a visão do mundo educacional. Educação e Pesquisa [online]. 2022 vol. 48, e254836 [viewed 17 August 2022]. https://doi.org/10.1590/S1678-4634202248244296. Available from: https://www.scielo.br/j/ep/a/hMZqk7tS7JMvRcTt3nhK47y/?lang=pt

Links externos

Educação e Pesquisa: https://www.scielo.br/j/ep/i/2022.v48/

Elias Evangelista Gomes – Researchgate: https://www.researchgate.net/profile/Elias-Evangelista-Gomes

Maria da Graça Jacintho Setton – Researchgate: https://www.researchgate.net/scientific-contributions/Maria-da-Graca-Jacintho-Setton-2048489525

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

GOMES, E.E. and SETTON, M.G.J. 20 anos depois: pensar com e sem Bourdieu [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2022 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2022/08/17/20-anos-depois-pensar-com-e-sem-bourdieu/

 

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