A contribuição do coletivo na formação e personalidade de professores

Carine Daiana Binsfeld, Professora na Rede Municipal de Ensino (RMESM), Santa Maria, Rio Grande do Sul, RS, Brasil

Anemari Roesler Luersen Vieira Lopes, Professora na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, Rio Grande do Sul, RS, Brasil

Logo do periódico Educação em Revista.

O coletivo desempenha um papel significativo na formação dos sujeitos, cujas maneiras de ser refletem o que é aprendido socialmente. No entanto, qual é exatamente o papel do social na formação humana? Como a esfera social influencia o desenvolvimento da personalidade dos sujeitos? E qual é a importância da unidade afeto-cognição nesse processo?

Buscando investigar essas questões no âmbito da formação docente, Carine Daiana Binsfeld (RMESM) e sua orientadora Anemari Roesler Luersen Vieira Lopes (UFSM) desenvolveram o artigo Formação de professores em um coletivo: alguns princípios orientadores, publicado na Educação em Revista (vol. 40, 2024). Nele, as autoras analisam os princípios que orientam a formação de professores em um grupo e seu impacto no desenvolvimento da personalidade docente, apresentando como as ações do coletivo, mediadas pela relação afetivo-cognitiva entre os participantes e seu objeto de estudo, influenciam a formação docente e seu desenvolvimento pessoal.

Nessa investigação, derivada da tese de doutorado de Binsfeld, as respostas para tais perguntas, em sua dimensão teórica, foram encontradas em autores como Lev Semionovitch Vigotski (1896-1934) e outros teóricos da escola vigotskiana, como Alexis Nikolaevich Leontiev (1903-1979), Arthur Vladimirovich Petrovski (1924-2006) e Antón Semionovich Makarenko (1888-1939).

Partimos da premissa de que as ações promovidas por um grupo/coletivo envolvendo professores e futuros professores constituem uma forma prática de desenvolvimento de uma personalidade coletivista, reconhecendo que o professor é também um sujeito em atividade durante o processo formativo. A compreensão de como a atividade dentro de um grupo/coletivo se relaciona com a formação da personalidade docente levou à investigação de como esse grupo organiza suas atividades para promover um tipo superior de aprendizagem, considerando essa nova qualidade como uma mudança nas funções psicológicas superiores que impulsionam o desenvolvimento humano.

É a consciência de que a relação do sujeito com os demais membros do seu grupo/coletivo e com o objeto de estudo é mediada por uma interação afetivo-cognitiva que impacta a formação e o desenvolvimento da sua personalidade. Dessa forma, se essas relações promovem uma formação coletivista, elas também influenciarão a formação de uma personalidade coletivista.

Imagem ilustrativa de uma silhueta de uma cabeça aparentemente feminina onde é possível ver uma mesa de comando com a descrição "AFETO-COGNIÇÃO". Atrás da mesa de comando existem cinco moças, cada uma com uma palavra sobre sua cabeça: RELAÇÕES, APRENDIZAGEM, COMPARTILHAMENTO, PERTENCIMENTO E VÍNCULOS. Acima da silhueta lê-se: CONTRIBUIÇÕES DO COLETIVO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Imagem: Elaborada pela autora.

Essas constatações foram possíveis porque nossa pesquisa, em sua dimensão prática, nos permitiu observar as atividades de um grupo de estudos e pesquisas, fornecendo os subsídios necessários para identificar elementos essenciais que conferem a esse grupo o potencial para influenciar a formação dos sujeitos que dele participam, com foco na construção de uma personalidade coletivista.

Acompanhamos as atividades de um Grupo de Estudos e Pesquisas de uma universidade pública ao longo de quatro semestres, entre 2020 e 2021. Durante esse período, participamos dos encontros semanais do grupo, que, devido à crise sanitária da COVID-19, ocorreram majoritariamente de forma remota.

Durante esses encontros, coletamos um extenso material gravado em áudio e vídeo, que documenta momentos de estudo e discussão sobre o objeto de estudo do grupo: a relação entre ensino e aprendizagem na formação de professores e futuros professores. Além disso, como parte da pesquisa, introduzimos a escrita de memórias dos encontros, permitindo que cada participante registrasse não apenas o que foi discutido, mas também seus sentimentos acerca do seu processo de vida.

Para complementar esses dados, produzimos três relatos escritos com participantes do grupo, tanto aqueles com vínculo acadêmico com a universidade na condição de acadêmicos da pós-graduação quanto aqueles que já haviam concluído sua formação acadêmica e desenvolvem suas atividades docentes na Educação Básica ou Ensino Superior, mas que de algum modo, ainda mantém relações com o grupo.

A unidade afetivo-cognitiva em um grupo, entre os membros e o objeto de estudo, permite que ações coletivas formem e desenvolvam a personalidade de cada sujeito, gerando sentidos e significados que qualificam essa formação. A participação em um grupo organizado coletivamente, através de projetos e programas que envolvem ensino, pesquisa e extensão, proporciona uma formação significativa ao alinhar os motivos individuais com os objetivos do grupo. Isso cria vínculos afetivo-cognitivos que orientam a Atividade Pedagógica e favorecem a emancipação dos participantes, promovendo a educação como humanização.

A contribuição de um grupo na formação de professores e futuros professores deriva da unidade afetivo-cognitiva criada entre seus membros e o seu objeto de estudo. Essa unidade é formada pelas ações do grupo, sua organização e as relações estabelecidas com ele. O processo formativo é enriquecido quando o conteúdo dessa formação atende às necessidades individuais e coletivas dos participantes, permitindo-lhes aprender a organizar o ensino e desenvolver seu trabalho.

Nossa pesquisa conclui que um grupo com características coletivas pode contribuir no desenvolvimento de uma personalidade coletivista através dessas ações e vínculos afetivo-cognitivos, o que está expresso nos princípios orientadores que identificamos. Assim, quando um grupo organiza suas ações a partir de princípios orientadores, como os que identificamos neste estudo, ele pode tornar-se um coletivo que além de formar professores e futuros professores para desenvolver a prática pedagógica, orientará a formação de sua personalidade, pelas marcas afetivo-cognitivas deixada em cada sujeito que participou dele.

Finalizando essa reflexão, não poderíamos deixar de manifestar o quanto a realização deste trabalho reforçou os motivos de sua investigação, pois quando há uma conexão entre motivo e significado, a emoção resultante deixa uma marca na experiência do sujeito e pode criar um sentimento de pertencimento.

Esse sentimento faz com que o sujeito reconheça no grupo/coletivo algo que ele valoriza e defende, como a educação, transformando esse grupo em uma referência para o seu trabalho e sua vida, criando laços com ele e seus participantes que envolvem o afeto e a cognição. A nova qualidade que o grupo adquire na vida de cada pessoa revela uma identidade coesa, que, através do significado pessoal, contribui para o desenvolvimento da personalidade de cada um. O grupo ou coletivo passa a ser visto como um guia para suas ações e conduta.

Defendemos essa formação em grupo porque acreditamos que é por meio do trabalho coletivo que promoveremos e enriqueceremos os conhecimentos dos professores, dentro de uma perspectiva de humanização. Trata-se de uma formação baseada em experiências reais e concretas, onde o professor é o protagonista desse processo, libertando-o de práticas neoliberais. Isso pode ser alcançado através da participação em um grupo que se preocupa com a relação entre teoria e prática, adota um referencial teórico para embasar suas ações no trabalho docente, proporcionando as condições necessárias para o desenvolvimento do professor como um sujeito universal e livre.

Para ler o artigo, acesse

BINSFELD, C.D. and LOPES, A.R.L.V. Formação de professores em um coletivo: alguns princípios orientadores. Educ. rev. [online]. 2024, vo.l 40, e49029 [viewed 24 October 2024]. https://doi.org/10.1590/0102-4698-49029. Available from: https://www.scielo.br/j/edur/a/CbydYFJ3GzVd8G5fJ44pr5w

Referências

LEONTIEV, A.N. Atividade. Consciência. Personalidade. Tradução de Priscila Marques. Bauru, São Paulo: Mireveja, 2021.

MAKARENKO, A.S. La coletividade y la educación de la personalidade. Moscou: Progresso, 1977.

PETROVSKI, A.V. Personalidad, actividad y colectividad. Buenos Aires, AR: Cartago, 1984.

VIGOTSKI, Lev Semionovich. Sete aulas de L. S. Vigotski sobre os fundamentos da pedologia. PRESTES, Z. and TUNES, E. (Org. and Trad.). SANTANA, C.C.G. (Trad.). Rio de Janeiro: E – Papers, 2018.

Links externos

Educação em Revista – EDUR: www.scielo.br/edur/

Educação em Revista: Site | Instagram | X | LinkedIn

 

Como citar este post [ISO 690/2010]:

BINSFELD, C.D. and LOPES, A.R.L.V. A contribuição do coletivo na formação e personalidade de professores [online]. SciELO em Perspectiva: Humanas, 2024 [viewed ]. Available from: https://humanas.blog.scielo.org/blog/2024/10/24/a-contribuicao-do-coletivo-na-formacao-e-personalidade-de-professores/

 

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *

Post Navigation